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O ''desempregado com setor de atividade''

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Por Roberto Macedo
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No dia 11 deste mês, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, anunciou que o governo federal estenderá o número de benefícios mensais recebidos na forma de seguro-desemprego. De três a cinco benefícios mensais, passará a ser de cinco a sete. Muito bem! Até aqui, nas medidas contra a crise econômica o governo federal enfatizou as creditícias e fiscais voltadas para bancos e empresas, com o que espera evitar reduções ainda maiores do número de pessoas ocupadas. A medida anunciada trará mais recursos diretamente para o bolso de cidadãos desempregados, que passam a ter novas e graves carências. Mas - e esse é um enorme mas - a bondade veio com enorme maldade, pois o benefício foi anunciado como restrito a novos desempregados gerados pela crise, antes ocupados em setores que serão identificados pelo governo como particularmente atingidos. A propósito, o ministro Lupi disse que essa definição virá posteriormente, mas adiantou que entre os beneficiados estariam ex-empregados da siderurgia, da mineração e da exportação de frutas. Ora, tal restrição está a demonstrar que se perdeu a noção do que significa desemprego, do alcance da crise e do papel do seguro-desemprego. Desempregado é desempregado e, por definição, não tem setor de atividade. Numa crise de amplo alcance como a atual, o governo não tem meios para determinar o conjunto dos que perderam o emprego em decorrência da crise, pois os efeitos desta se propagam de várias formas. Primeiro, ainda que surgindo com maior evidência em alguns setores, eles se disseminam ao longo da cadeia produtiva. Por exemplo, automóveis têm assentos e a queda de sua produção afetará também a indústria de móveis. Noutro exemplo, com a dispensa de empregados os restaurantes de indústrias siderúrgicas oferecerão menos refeições, prejudicando assim os que produzem alimentos. E assim por diante. Num segundo efeito, a queda de renda resultante de menor produção e emprego, juntamente com a escassez de crédito e o receio de gastar dos que estão ocupados, provoca uma queda generalizada da demanda que alcança, por exemplo, os serviços de turismo e o trabalho nos salões de beleza. E mais: além de o ministro ter essa visão sindical e nada social de "desempregado com setor de atividade", e entender que a crise é setorialmente específica nos seus efeitos - o que, sendo falso, já derruba a lógica da medida -, vale lembrar que com a crise o esforço de encontrar ocupação será maior mesmo para os que já se encontravam desempregados antes dela, pois terão de competir com mais gente e por mais tempo na busca de oportunidades de trabalho. É essa maior dificuldade de encontrar trabalho que dá sustentação lógica à extensão temporal do seguro em épocas de crise, mas sem a referida restrição. Em matéria publicada neste jornal no sábado, encimada pela reação do ex-ministro da mesma pasta Almir Pazzianotto, contrária à referida restrição, o presidente do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), Luiz Fernando Emediato, argumentou em defesa dela. Disse que a Lei 8.900/94 determina que o benefício extra por mais dois meses pode ser direcionado a "grupos específicos de segurados, a critério do mesmo conselho". E, ainda, que ao conceder o benefício deverá ser observada "a evolução geográfica e setorial das taxas de desemprego e o tempo médio de desemprego de grupos específicos de trabalhadores". Ora, além de o governo não dispor desses dados de taxas e de tempo médio, com cobertura nacional, em base mensais, evidentemente é uma lei não adequada para enfrentar a crise atual. Ela satisfaz apenas à visão sindical que domina vários aspectos da política governamental. Como resultado, sindicalistas que integram ou apoiam o governo, e ligados a setores mais afetados pela crise, poderão dizer que, ao lado de defenderem os interesses de suas categorias profissionais, também cuidam dos companheiros desempregados. Mesmo com essa estreita visão sindical, é difícil admitir que não tenha sido discutida no Codefat a possibilidade de um benefício de alcance geral. Mas com essa lei há outra restrição, mencionada também pelo presidente do Codefat, a de que "o gasto adicional não deve ultrapassar a reserva mínima de liquidez" do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), a qual, segundo o mesmo entrevistado, seria de R$ 1,1 bilhão por semestre. Não sei quanto custaria o benefício amplo, mas com a crise ainda em seus desdobramentos é possível que vá além disso, e o próprio fato de essa restrição ter sido mencionada é sinal de que é por aí que a coisa pega, pois em princípio o governo poderia elaborar uma lista completa de setores específicos. Entretanto, já que o presidente do Codefat diz que o dinheiro disponível é só esse, cabe perguntar onde estão os demais recursos. Pouca gente sabe, mas o FAT tem uma montanha deles. Pelos últimos números que vi tem R$ 152 bilhões (!), dos quais cerca de 40% estão com o BNDES para seus financiamentos a empresas. Do restante, R$ 45 bilhões estão em "depósitos especiais" e R$ 18 bilhões em títulos da dívida pública. Com esse perfil de ativos, há quem afirme que o FAT é mais um Fundo de Amparo ao Tesouro, o que também é confirmado pelo fato de que até aqui o governo federal não demonstrou nenhuma disposição de buscar parte desses outros recursos para utilizá-la no efetivo amparo ao trabalhador. Será fundamental que a imprensa mantenha vivo esse assunto, lançando luzes sobre esse FAT que não faz jus ao nome. E que os partidos de oposição utilizem o tema como bandeira de luta, deixando de dar a sensação de que também estão desempregados. Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda