03 de março de 2012 | 03h06
Em junho de 2011 o Rio de Janeiro viveu um drama dessa natureza: o motim de seus bombeiros militares, por aumento salarial. Aumento, em princípio, de fato conveniente, embora discutível quanto ao equilíbrio entre o nível pretendido e o possível; errado foi procurá-lo via ilegalidade agressiva à ordem e à margem do canal hierárquico. A receptividade, aparentemente simpática, do governador do Estado do Rio de Janeiro das decisões da Assembleia Legislativa fluminense e do Congresso Nacional, que inibiram, respectivamente, as punições administrativas e penais de amotinados, não foi exatamente uma sinalização de alerta contra esse tipo de descalabro...
Episódio mais grave: a greve-motim da Polícia Militar da Bahia em fevereiro deste ano vem conferindo à questão uma tonalidade dramática, com a disseminação de violência e criminalidade - saques, assaltos, furtos, roubos e assassinatos -, de que o povo e a vida societária são vítimas. No caso baiano, transpareceu o desconforto da autoridade executiva, marcada por passado sindical com apoio a greves, de se contrapor ao descalabro usando o peso do rigor legal. A afirmação do governador de que não haveria punição para quem não tivesse praticado vandalismo aparenta sugerir que ato ilegal - no caso, a greve-motim - não está sujeito a punição corretiva, por mais que tenha prejudicado o povo, quando não acompanhado por violência explícita. Pode não ter sido essa a intenção, mas deixou a impressão.
Além do aspecto legal: não é lógico aceitar serem socialmente legítimas as greves-motins de policiais e bombeiros militares. É, no mínimo, discutível que, sob a retórica tolerante pretendida como democracia, se permita que minorias organizadas, vivendo em razoável (ao menos no cenário brasileiro) segurança social, protegidas por vantagens não estendidas ao trabalhador não público, sujeitem o povo a sacrifícios transformados em instrumento de pressão sobre o Estado na barganha por reivindicações, em geral, indiferentes à responsabilidade fiscal. Detalhe insólito: nas greves-motins, naturalmente propensas a atos contrários à ordem, a culpa pelas consequências de eventuais enfrentamentos é atribuída por seus atores às forças da ordem - invadir, ocupar e bloquear seriam ações lícitas, recompor a ordem seria violência. Um líder dos ocupantes da Assembleia Legislativa da Bahia deixou claro na TV que se as forças federais tentassem a restauração da ordem as consequências seriam da responsabilidade de quem a tivesse determinado. Os atores da desordem seriam inocentes...
Circunstâncias como as manifestas na Bahia podem chegar à conveniência de se considerar - prudentemente, mas com coragem cívica à altura do problema - a hipótese do estado de defesa, previsto no artigo136 da Constituição "para preservar ou prontamente restabelecer (...) a ordem pública ou a paz social (...)". Ou do estado de sítio (dependente de autorização do Congresso), previsto no artigo 137 para o caso de "comoção grave de repercussão nacional (...)" onde o governo estadual constitucionalmente responsável não consegue manter a ordem, por insuficiência de meios ou por inapetência de viés sindical ou eleitoreiro. Em ultima análise, e de conformidade com o inciso III do artigo 34 da Constituição, podem sugerir até mesmo a intervenção federal para "pôr termo a grave comprometimento da ordem pública".
Esse quadro confuso nos leva a aventar a contragosto algo contrário à nossa tradição e à nossa cultura: a revisão da condição militar dos policiais e bombeiros, por eles vilipendiada. Os alicerces dessa condição, a hierarquia e a disciplina, têm de ser respeitados para preservar a sua virtude, indispensável à segurança das instituições e do povo diante do poder armado. Se o "ânimo" dos policiais e a pusilanimidade nacional acharem dispensável esse respeito, então a dúvida começa a ter algum infeliz cabimento.
Imaginemos o caos nacional caso a tolerância com o desapreço pela condição militar se estendesse às Forças Armadas, se a tropa do Exército em serviço policial na Bahia declarasse que só cumpriria o seu dever se a sua remuneração fosse revista - e as Forças Armadas fossem incluídas na PEC 300, cuja referência, a remuneração da Polícia Militar do Distrito Federal, é encargo da União...! O despautério seria justa e compreensivelmente inaceitável. Mas para a Polícia Militar é tolerável?
A continuar a prática inconstitucional, e se o paroxismo policial militar vier a se entender pelo Brasil afora, em conluio hostil ao povo e ao Estado - como já se estendeu, sensacionalista, traumático e perigoso, ao Rio de Janeiro -, estaremos caminhando para o desmonte do Estado democrático de Direito, posto à mercê do corporativismo de categorias fortes do setor público - com o provável consequente crescimento da sedução do salvacionismo, no povo refém e vítima...
ALMIRANTE DE ESQUADRA, (REFORMADO)
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