15 de abril de 2011 | 00h00
A mudança empurrará para os livros de história a anacrônica resistência do setor público a permitir que a sociedade tome conhecimento de suas ações e dos processos decisórios que a elas conduziram - o que só se justifica quando a divulgação pode pôr em risco políticas em andamento, e em especial quando há outros países envolvidos. É insustentável, por exemplo, que a papelada relativa à Guerra do Paraguai continue trancada, passados 141 anos do término do conflito. A própria ditadura militar, cujos arquivos são objeto de um exasperante confronto entre o direito de saber e a preocupação em esconder, acabou há 26 anos.
As iniciativas pela redução do volume de documentos enquadrados na categoria "segredo de Estado" e o estreitamento do prazo de validade do sigilo que os recobre expressam a crescente propensão internacional a tornar a prestação de contas dos governos, admitida em certos casos a passagem do tempo, indissociável da plenitude democrática. Quanto mais amadurecidas as nações, maior a sua impaciência com os argumentos invocados pelos detentores do poder para delas subtrair o que se faz ou se fez em seu nome. Revelações podem derrubar governos e abalar reputações, mas esse é um preço pequeno demais a pagar para um país se conhecer melhor - e aprender com seus erros.
Até bem pouco tempo, praticamente se contavam nos dedos os países - 13 ao todo - que haviam adotado alguma forma de acesso aos seus acervos de dados. Hoje, 90 países têm leis que regulamentam esse direito inerente às sociedades livres. Além disso, a onipresença da tecnologia da informação tende a tornar inócuas muitas das rotinas de guarda de segredos no âmbito das grandes burocracias. Para as instituições públicas, o atendimento de um pedido de consulta sobre determinado tema ou evento, no marco legal criado para tanto, é incomparavelmente mais saudável do que a irrupção de vazamentos maciços como os do WikiLeaks, que fizeram a diplomacia americana perder a face diante de seus interlocutores em diversos países.
O que deverá prevalecer no Brasil é um sistema de classificação de material sigiloso em três níveis: reservado (inacessível por 5 anos), secreto (15 anos) e ultrassecreto (25 anos, renováveis uma única vez por igual período). Vencida a quarentena, a área pública deverá fornecer - em formato digital com programas de código aberto - a documentação solicitada. Os interessados não precisarão explicar as razões da consulta e as autoridades não poderão exigir deles informações "que inviabilizem a solicitação". Os governos terão de divulgar anualmente a relação de todos os documentos secretos nas categorias mencionadas e fazer um balanço também anual dos pedidos recebidos e atendidos, ou não.
"O Brasil tem várias leis sobre acesso", observou o ministro Jorge Hage, da Controladoria-Geral da União (CGU), "mas não tem um procedimento para o cidadão fazer requisições nem punições para servidores que não as atenderem." Nesse sentido, o projeto que se busca aprovar no Senado em regime de urgência é um firme passo adiante - menos por um entrave. A Câmara acrescentou à proposta do governo um artigo que prevê a criação de uma Comissão de Reavaliação de Informações, integrada por representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário. No regime de separação e autonomia dos Poderes, o colegiado é claramente inconstitucional. Resta saber que destino o Senado dará a esse embaraço - no prazo desejado pela presidente Dilma Rousseff.
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