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O esgotamento do modelo energético mundial

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Por JOSÉ GOLDEMBERG
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Há uma forte analogia entre a inquietação da sociedade que se manifesta hoje nas ruas das cidades brasileiras, na Turquia e em outros países com o que está acontecendo na área de energia. Característica geral dessas manifestações é o inconformismo com a estagnação do progresso, a indignação com a transformação da política em balcão de negócios e vantagens pessoais e a ausência do otimismo que galvaniza as pessoas em torno dos seus governos. Problemas análogos ocorrem há anos no setor de energia baseado no uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), que permitiram um desenvolvimento técnico e econômico sem precedentes na História da humanidade, mas, após mais de um século de grandes avanços, dá claramente sinais de exaustão. As razões para tal são basicamente as seguintes: O esgotamento progressivo dos combustíveis fósseis. Exemplo desse fato é o que está acontecendo com os poços petrolíferos da Bacia de Campos depois de 25 anos de produção. Essa é uma característica geral da exploração do petróleo e do gás natural em todos os países produtores, com a exceção dos do Oriente Médio. As reservas excepcionais de petróleo e gás dessa região aumentaram a dependência mundial das exportações da Arábia Saudita, do Iraque, do Irã e outros, criando graves problemas geopolíticos que têm dado origem a instabilidades políticas e até guerras. A poluição ambiental que tem origem no uso dos combustíveis fósseis e sufoca as grandes cidades da China, do México e outras. Não se trata apenas de poluição local, mas também da emissão de gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento global. Esse é um problema que afeta a todos, mesmo fora dos locais e das cidades onde se origina. Diversos governos têm procurado, ativamente, soluções novas que lhes permitam enfrentar essas questões. Os Estados Unidos estão atacando os problemas de duas maneiras. A primeira delas é a busca frenética por gás de xisto para produzir mais energia, apesar das inquietações a respeito de que o sucesso dessa tecnologia não seja uma solução duradoura. Tanto é assim que outros países - como a França, por exemplo - não estão apostando nessa opção. Por outro lado, o presidente Barack Obama decidiu enfrentar a oposição republicana no Congresso e poderosos grupos econômicos e está tomando medidas administrativas para reduzir as emissões resultantes da queima de combustíveis fósseis, principalmente do carvão mineral. Na Europa é a adoção de metas - e um calendário para cumpri-las - de redução das emissões de gases-estufa, quer por meio de maior eficiência no uso de energia ou no uso de energias renováveis, que tem sido amplamente beneficiado por instrumentos fiscais. Na China é um amplo programa de redução da poluição, que deve ser incorporado no próximo plano quinquenal. O problema nesse país é que a maior parte da eletricidade é gerada em usinas termoelétricas que queimam carvão de baixa qualidade. Ao melhorar a eficiência dessas usinas ou optar por gerar eletricidade com energias renováveis, pode resolver dois problemas: o da poluição local, que é muito sério na China, e o da poluição global. E o que está fazendo o governo brasileiro para enfrentar esses problemas? Ação mais visível do governo federal ocorre no setor de petróleo, com a exploração do pré-sal, no qual o governo está jogando todas as suas fichas, apesar dos enormes desafios técnicos e econômicos envolvidos. Pior ainda, desperdiçou cinco anos sem a realização de leilões que poderiam atrair sócios estrangeiros que dividiriam os investimentos e os riscos com os quais a Petrobrás não consegue arcar sozinha. No setor de eletricidade, o sistema adotado de leilões - baseado numa duvidosa teoria de "modicidade tarifária" - pode ser atraente como diretriz política para conseguir popularidade e votos, mas não é racional. Diferentes formas de energia têm custos e características diferentes e devem ser tratadas de maneira distinta. Se isso fosse feito corretamente, milhões de quilowatts de energia elétrica estariam sendo produzidos usando bagaço das usinas de açúcar e álcool. Como isso não foi feito, a eletricidade passou a ser gerada usando gás e carvão, com custos elevados que, na prática, tornam inviável a tentativa de baratear o custo da energia elétrica. Este verdadeiro "tiro no pé" acabou por, praticamente, inviabilizar também a Eletrobrás, cujas ações despencaram em queda livre. Além disso, o gerenciamento dos parques de geração eólica demonstraram falhas, bem como a construção de usinas hidrelétricas sem reservatórios. O governo cogita agora de estimular o uso do carvão em usinas termoelétricas - na contramão do que estão fazendo a China e os Estados Unidos - e até energia nuclear! O fato de os Estados Unidos e a China - que juntos emitem mais de 50% dos gases poluentes - decidirem unilateralmente adotar medidas para reduzir tais emissões prenuncia um acordo entre eles, que vai deixar o Brasil isolado na sua política climática, a qual tem sido sempre a de se recusar a tomar medidas sérias nessa área, usando o argumento de que elas impediriam o crescimento econômico do País. Exceto pela redução do desmatamento na Amazônia, a política climática brasileira está paralisada. Até mesmo a liderança que o Estado de São Paulo assumiu nessa área está encontrando resistências da indústria, que assim adia mais ainda a sua modernização e o aumento da produtividade, essenciais para competir no mercado internacional. Antes que seja tarde seria bom que se ouvisse, nessas questões, a voz de técnicos independentes, que neste caso representa a "voz das ruas", para evitar repetir o que está acontecendo em outras áreas.

* JOSÉ GOLDEMBERG É PROFESSOR EMÉRITO DA USP E FOI PRESIDENTE DA COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO (CESP).