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O espírito animal acuado

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Por Redação
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Crescimento para valer só voltará com mais investimento produtivo – e isso ainda vai demorar, se depender das compras de máquinas e equipamentos pelos empresários industriais. Investir em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos também ajudará a reanimar os negócios, mas, por enquanto, o programa de infraestrutura só vai bem na propaganda oficial. Quanto aos empresários, sua disposição de investir continuou em queda nos últimos meses, num ambiente de recessão mais feio que o previsto no começo do ano, com ampla capacidade ociosa e muito estoque ainda encalhado. Todos os dados da última sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram um cenário de desânimo. Diante de uma crise econômica seriamente agravada pela incerteza política e sem uma visão mais ou menos clara do caminho de saída, o espírito animal dos homens de negócios está com certeza acuado.

A intenção de investir apurada pela CNI bateu mais um recorde negativo. Caiu de 52 pontos em julho do ano passado para 41,3 neste ano, o nível mais baixo na série iniciada em novembro de 2013. Foram 10,7 pontos de queda em um ano e 1,7 em um mês. Os indicadores calculados nessa pesquisa, com base nos questionários enviados a 2.344 empresas – 967 pequenas, 834 médias e 543 grandes – variam de zero a cem. O patamar 50 é o limite entre avaliações e expectativas favoráveis e desfavoráveis. Há um ano, as médias ainda estavam acima de 50 no setor extrativo e na indústria de transformação. Na última sondagem, concluída em 13 de julho, os dois grupos ficaram abaixo da linha divisória no quesito intenção de investimento.

O conjunto da pesquisa, em todos os quesitos, é mais uma confirmação do fracasso da política econômica dos últimos quatro anos e, muito especialmente, da estratégia de incentivos setoriais. Alguns dos valores mais baixos, na sondagem de intenção de investimento, foram apurados na indústria de veículos (32,9 pontos) e na de móveis (29,8).

Os dois segmentos estiveram entre os mais favorecidos pelos estímulos oficiais. O setor automobilístico foi beneficiado com redução de impostos e com um forte protecionismo. O de móveis deveria ter sido puxado pelos programas habitacional e de equipamento de moradias – vistosos componentes do fracassado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

A baixa disposição de investir no aumento do potencial produtivo está associada, naturalmente, à baixa utilização da capacidade instalada. É preciso olhar para muito longe, e com muito otimismo, para pensar em compras de máquinas e equipamentos e em construção de novas instalações, quando a ociosidade é tão ampla. Na média geral, o uso da capacidade caiu de 68% para 65% em um ano, a partir de julho do ano passado. Na indústria extrativa passou de 77% para 72%. Na de transformação, de 67% para 55%. Neste segmento, o mais amplo e mais diversificado, a ociosidade média corresponde, portanto, a quase metade do potencial disponível.

Não surpreendem, nesse quadro, o aumento das demissões, o recurso a férias coletivas e a multiplicação dos casos de lay-off, isto é, de suspensão temporária de contratos. No primeiro semestre, segundo outro levantamento da CNI, 60% das indústrias, nos setores extrativo e de transformação, reduziram o uso de mão de obra e o número de empregados.

As demissões ocorreram em metade das indústrias.

O principal problema apontado pelos empresários – 44,8% na última sondagem – é a pesada carga tributária. Em segundo lugar, a demanda interna insuficiente, indicada em 44,2% das respostas. O problema da tributação poderá tornar-se mais sério, se o governo recorrer a mais impostos para o ajuste das contas públicas. De toda forma, a arrumação das contas do governo ainda complicará a atividade empresarial por um bom tempo. Quanto mais o acerto se faça por meio da contenção de gastos, tanto melhor. Mas isso é muito difícil, por causa da rigidez do orçamento.