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O Estatuto da Igualdade Racial

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Por Redação
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Depois de ter interrompido a votação do projeto do Estatuto da Igualdade Racial, por causa de uma discussão sobre dispositivo que regula a posse de terras por remanescentes de quilombolas, a Comissão Especial da Câmara decidiu adiar a discussão da matéria. Diante da reação negativa de vários setores da sociedade brasileira ao projeto, a liderança do governo preferiu adiar mais uma vez a votação que se daria em caráter terminativo, isto é, sem passar pelo plenário. Concebido sob a justificativa de combater a discriminação racial de "cidadãos afro-brasileiros", o projeto vem tramitando há dez anos. Entre outras inovações, ele torna obrigatória a identificação dos estudantes de acordo com a raça no censo escolar. Exige que os pacientes do SUS se autodefinam conforme a cor da pele, a pretexto de criar condições para que as doenças da população negra sejam mais bem combatidas. Determina que filmes e programas de televisão tenham 20% de atores e figurantes negros. E prevê cotas para negros e pardos nas universidades, no setor público e em empresas privadas. "Com o Estatuto, as políticas públicas terão foco voltado para a promoção da igualdade racial, passando de política de governo para política de Estado", diz o chefe da Secretaria de Igualdade Racial, Edson Santos. Segundo ele, apesar de a escravidão ter sido abolida há 121 anos, até hoje o Estado não teria tomado medidas concretas para garantir a cidadania plena aos negros. O argumento é demagógico e deixa de lado dois importantes aspectos. O primeiro aspecto diz respeito ao conceito de "dívida histórica" invocado pelo ministro. Segundo Santos, o Estatuto tem por objetivo resgatar direitos dos negros após três séculos de regime escravagista. Mas, como lembra o sociólogo Simon Schwartzman, o problema é saber quem deveria pagar essa dívida. "Portugueses escravocratas que já morreram? Ou filhos de imigrantes japoneses, italianos e alemães que vieram para o Brasil na miséria e não tiveram nada a ver com a escravidão?" O segundo aspecto é jurídico. A Constituição é clara quando afirma que "todos são iguais perante a lei" e que o objetivo da República é "promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". Ocorre que, se for aprovado pelo Legislativo e Lula sancioná-lo, apesar de sua flagrante inconstitucionalidade, o projeto dividirá a sociedade entre "brancos", de um lado, e "negros" e "pardos", de outro, concedendo privilégios a estes últimos em detrimento dos primeiros. Evidentemente, essa iniciativa não leva à igualdade, mas à discriminação e ao segregacionismo, abrindo caminho para um apartheid social. Com isso, em vez de ajudar a resolver uma questão de desigualdade social, o Estatuto divide em "raças" um país caracterizado pela miscigenação e pelo convívio harmonioso de pessoas vindas de todas as partes do mundo. Na realidade, por desconhecimento ou má-fé, os defensores do Estatuto confundem problemas raciais com problemas decorrentes da pobreza. Por causa da baixa renda de grandes parcelas da população, existe no País uma situação que afeta negros, pardos, amarelos e brancos, e que poderia ser superada por melhores escolas e mais empregos, em vez da demagogia de cotas. Há muito tempo a ciência mostrou que todos os seres humanos têm o mesmo potencial de aprendizado, independentemente da cor da pele. O que produz as desigualdades sociais são as desigualdades econômicas. Este é o ponto central do problema. Os defensores do Estatuto lembram as desigualdades sociais advindas do passado, esquecendo-se do que toda a humanidade sabe há séculos - ou seja, que inclusão social só pode ser assegurada por educação de qualidade - como acaba de demonstrar o cidadão norte-americano Barack Obama. Ao dividir a sociedade brasileira entre negros e pardos, de um lado, e brancos, do outro, além de transformar a cor da pele em critério essencial para a ascensão social, os defensores do Estatuto praticam um atentado contra o patrimônio cultural da Nação e criam um problema que, apesar de todas suas iniquidades, ela jamais teve: o ódio racial. É por isso que a decisão mais sensata que a Comissão Especial da Câmara pode tomar, para afastar esse perigo, é rejeitar esse projeto.