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O estranho complô iraniano

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Por Redação
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O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, viu-se na obrigação de dizer que o seu governo não acusaria o Irã de tramar um atentado contra o embaixador da Arábia Saudita em Washington, Adel al-Jubeir, plantando uma bomba no restaurante que costuma frequentar, "se não soubéssemos exatamente como fundamentar todas as alegações contidas na denúncia". No entanto, as garantias de Obama, acompanhando o anúncio de que os EUA aplicarão "as mais duras sanções" para acentuar o isolamento de Teerã, aparentemente não conseguiram aplacar o ceticismo com que foi recebida, até por especialistas em terrorismo, a revelação do secretário da Justiça Eric Holder, na terça-feira, de que um iraniano naturalizado americano, Manssor Arbabsiar, encomendou o atentado contra o diplomata ao cartel mexicano Los Zetas. As embaixadas saudita e israelense também seriam atacadas. O mentor da operação seria Gohlam Shakuri, primo de Arbabsiar, que faria parte da unidade de elite Quds, da Guarda Revolucionária Islâmica, a principal força repressora do regime. Segundo Holder, em maio último, orientado por ele, Arbabsiar entrou em contato com um mexicano que aparentava ser membro dos Zetas, mas era um agente americano infiltrado. O interlocutor pediu US$ 1,5 milhão pelo serviço. Arbabsiar viajou em seguida para o Irã. Em agosto, sempre segundo as autoridades americanas, dois depósitos de US$ 50 mil caíram numa conta bancária nos Estados Unidos - como presumível adiantamento da paga combinada. Em fins de setembro, Arbabsiar tornou a desembarcar no México, mas, dessa vez, foi barrado pelos serviços de segurança e colocado num avião para Nova York, onde foi preso, interrogado e indiciado por conspiração para matar um diplomata e uso de armas de destruição em massa, entre outros crimes.Três questões emergiram de imediato. Especialistas em assuntos iranianos se perguntaram, desde a fala de Holder, por que a teocracia iraniana - a Guarda responde diretamente ao líder supremo da Revolução, aiatolá Ali Khamenei - teria ordenado ou concordado em perpetrar um ou mais atos terroristas em plena capital dos Estados Unidos, com vítimas civis em profusão, o que fatalmente sujeitaria o Irã a represálias militares americanas, com ataques às suas instalações nucleares? O país treina e financia extremistas na Síria e no Líbano, além de patrocinar radicais xiitas no Iraque, mas nunca promoveu no exterior um ataque como seria o de Washington. Tampouco se percebe a lógica em eliminar o embaixador de um país árabe com o qual, apesar da inimizade recíproca, o Irã mantém relações diplomáticas. Ao que se saiba, o contencioso entre Teerã e Riad não se agravou - continua o mesmo de sempre.Em segundo lugar, a ideia de terceirizar os atentados a narcotraficantes latino-americanos infiéis destoa de tudo que se conhece do modus operandi dos agentes iranianos no exterior. Por último, por tudo que se conhece da personalidade do vendedor de carros Arbabsiar, de 56 anos, radicado no Texas, ele não é a pessoa indicada para gerenciar uma operação daquelas proporções. Uma reportagem do New York Times, transcrita sexta-feira neste jornal, o descreve como um oportunista trapalhão e incompetente, fracassado nos negócios, assolado pelos credores e incuravelmente desorganizado. Segundo um amigo, citado na reportagem, vivia perdendo o celular e as chaves, e não conseguia vestir as meias de um mesmo par. Seja como for, não é crível que Washington tenha inventado um pretexto para punir o país persa.Arbabsiar, afinal, procurou um traficante e viajou para o Irã, quando foram feitos os depósitos bancários nos EUA. Preso, disse ter sido recrutado e financiado por pessoas que acreditava serem do Quds - ao qual negou pertencer. E ouviu do desavisado primo Shakuri, numa conversa telefônica gravada por seus captores, que tocasse a operação "rapidamente". Sem dúvida, alguém tramou algo. Mas até que ponto o complô subiu na cadeia de decisões do Irã? É significativo Obama ter se guardado de dizer que o plano foi discutido nos níveis mais altos do governo de Teerã. Resta ver as provas que diz existirem.