Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|O fim da 'era do petróleo'?

Atualização:

O preço do barril de petróleo caiu mais de 50% nos últimos meses, passando de US$ 140 para cerca de US$ 50. O que se pergunta todos os dias é: como é possível que isso tenha ocorrido? Essa, no entretanto, é a pergunta errada. A pergunta certa a fazer é: por que o preço do petróleo atingiu o valor absurdo de US$ 140 o barril, quando é notório que ele é produzido por muito menos? A resposta é bem conhecida: em 1973 foi formado um cartel dos principais países exportadores de petróleo (Opep) - como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes, a Venezuela, a Líbia e outros - que fixou arbitrariamente o preço do produto em níveis extraordinariamente elevados. Foi esse preço que permitiu, por exemplo, a enorme concentração de riqueza nos Emirados Árabes e sustentou o desenvolvimento da Rússia e da Venezuela. Durante mais de cem anos o preço do petróleo permaneceu praticamente constante, inferior a US$ 10 o barril desde que começou a ser produzido em grandes quantidades nos Estados Unidos. O enorme progresso dos países industrializados no século 20 se deve à existência de petróleo abundante e barato até 1973, quando seu preço começou a subir. Nos últimos meses, porém, a queda do preço foi violenta. Se continuar no patamar de US$ 50, a economia da Rússia, do Irã e da Venezuela será profundamente afetada, já que esses países dependem de maneira dramática dos recursos obtidos com a exportação do petróleo. A explicação usual para a queda dos preços é a de que os Estados Unidos reduziram suas importações de petróleo por causa do sucesso da produção interna de óleo e gás de xisto. Assim, com petróleo abundante no mundo, os preços caíram. Os países da Opep, liderados pela Arábia Saudita, poderiam ter reduzido a sua produção, o que faria o preço subir, mas decidiram não fazê-lo.Além de grandes reservas de petróleo, esse países têm também enormes reservas monetárias que lhes permitiriam suportar um preço mais baixo até quebrarem os seus concorrentes nos Estados Unidos. Nessa guerra de preços manipulados, uma das vítimas poderá ser a exploração de petróleo a grandes profundidades (pré-sal no Brasil e em outros países), cujo custo de produção é muito mais elevado do que na Arábia Saudita, estimado em menos de US$ 20 por barril. As estimativas recentes de fontes da Petrobrás são de que o petróleo do pré-sal saia a um custo de aproximadamente US$ 50. As alternativas para a produção de energia, como a eólica e a solar, que competem com derivados de petróleo a US$ 100 o barril para a produção de eletricidade, também poderiam sofrer. Há, todavia, interpretações diferentes da crise, como a de que não seria apenas uma guerra comercial, que pode ser passageira, mas algo mais sério. Um artigo recente na revista Foreign Affairs - de dezembro de 2014 - lança novas luzes sobre essa polêmica e não é nada otimista. A novidade, segundo ele, é que o que provocou a queda dos preços do petróleo não foi o aumento da produção dos Estados Unidos. A verdadeira causa é uma mudança estrutural na economia dos Estados Unidos e de países industrializados, cujo consumo caiu de 50,1 milhões de barris de petróleo por dia em 2005 para 45,5 milhões em 2013. Essa tendência começou antes da crise da economia de 2008 e muito antes do aumento da produção de gás e óleo de xisto nos Estados Unidos. As mudanças estruturais têm duas componentes. 1) Pelo lado da produção, a eficiência na extração do petróleo, que está aumentando, de modo que pequenos produtores estão produzindo mais e os países importando menos. O aumento da produção de gás também leva à redução do uso de petróleo. 2) Pelo lado do consumo, automóveis mais eficientes e automóveis elétricos e híbridos reduzem o consumo de gasolina ou diesel. Além disso, a eficiência energética em geral leva à redução do consumo de energia de todos os tipos. O fato de a China ter anunciado que as suas emissões de carbono (resultantes da queima de combustíveis fósseis) atingirão o máximo em 2030 - e declinarão daí para a frente - demonstra a importância crescente da eficiência energética e das energias renováveis no mais importante consumidor de energia no mundo em desenvolvimento. As mudanças estruturais que já ocorreram nos países industrializados estão se verificando igualmente em países em desenvolvimento, de modo que o consumo de petróleo nestes países não cresce muito. Se essas tendências se confirmarem no longo prazo, quem vai quebrar não são os produtores de gás e óleo de xisto nos Estados Unidos, mas os próprios países exportadores de petróleo, como a Arábia Saudita. Por sua própria natureza, as energias renováveis e a aplicação crescente de medidas de eficiência energética são descentralizadas - como é a produção de gás e óleo de xisto em pequenos poços - e não se prestam à formação de cartéis, que só funcionam quando são poucos os produtores. Por essas razões, a queda dos preços do petróleo - se for permanente - indica que os custos menores de energia abrirão caminho para um futuro energético mais diversificado, o que será salutar para todos. Durante décadas cientistas se digladiaram com análises e teorias contraditórias: ou as reservas de petróleo se esgotariam rapidamente (em 20 ou 30 anos) ou durariam muito mais (de 50 a 100 anos). Paradoxalmente, a controvérsia parece estar se resolvendo de uma forma inesperada: não são as reservas de petróleo que se vão esgotar, mas o seu consumo é que vai cair, deixando muito petróleo no solo. Novas opções serão as fontes de energia dominantes no futuro.* Professor Emérito da Universidade de São Paulo (USP), foi presidente da Companhia Energética de São Paulo (CESP)

Opinião por José Goldemberg