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O FMI e o déficit brasileiro

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Por Redação
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A crise ficou para trás e a economia mundial deve crescer 4,4% neste ano e 4,5% no próximo, apesar da alta de preços do petróleo e dos alimentos, segundo projeção do FMI. Os emergentes, com expansão de 6,5% em cada um dos dois anos, continuarão puxando o crescimento global. No mundo rico, o desemprego ainda será elevado por vários anos, mas também há notícias positivas. O setor privado volta a ser o principal motor da atividade nos países desenvolvidos e já se pode começar a reduzir os estímulos fiscais. É hora de fazer a faxina e de cuidar dos estragos deixados pela recessão e pelo desastre financeiro. Mas isso não é tudo. A recuperação traz novos desafios tanto para as economias avançadas como para as emergentes. O Brasil tem crescimento previsto de 4,5% em 2011 e 4,1% em 2012 e aparece com imagem bastante razoável nesse quadro, apesar da inflação ainda alta e da tendência de piora nas contas externas. Os preços das commodities são um novo fator de preocupação, segundo o FMI. As cotações de produtos básicos alimentam a inflação em todo o mundo e afetam de modo especial os países mais pobres. Também no Brasil as cotações internacionais têm efeitos inflacionários, mas não deixam de produzir efeitos positivos. As exportações brasileiras voltaram a crescer mais velozmente que as importações, neste ano, e isso se deve em boa parte ao encarecimento das commodities. Apesar da melhora dos preços de exportação, os economistas do FMI projetam para o Brasil uma deterioração das contas externas. Entre 2003 e 2007 o País acumulou superávits nas transações correntes do balanço de pagamentos, graças, principalmente, a saldos elevados no comércio de mercadorias. O superávit comercial encolheu a partir de 2008 e a conta corrente - síntese das transações com bens e serviços - tornou-se deficitária. Esse déficit equivaleu a 2,3% do PIB no ano passado. Segundo o FMI, o déficit deve chegar a 2,6% este ano, 3% em 2012 e 3,6% em 2016. Qual o limite de segurança? Um déficit em conta corrente próximo de 4% do PIB é muitas vezes tomado como sinal de alerta, mas não há base teórica para isso. O problema prático é saber até quando os investidores e credores estarão dispostos a financiar o déficit. O buraco das contas americanas foi igual ou superior a 4,7% do PIB em todos os anos entre 2003 e 2008. Em 2006 chegou a 6%. Mas o caso dos EUA é especial. Seus financiadores, a começar pela China, dificilmente cortarão o fluxo de dinheiro de um dia para outro. O Brasil tem conseguido atrair dinheiro para cobrir o buraco em transações correntes, mas corre o risco de ficar na dependência de capitais voláteis. Em 2010, o investimento estrangeiro direto só foi suficiente para financiar o déficit por causa de uma operação chinesa realizada em dezembro. Mas o problema não é só de financiamento, até porque, se houver uma alteração brusca no cenário, o País disporá de reservas cambiais para enfrentar a dificuldade imediata. A questão mais importante, a curto e a médio prazos, é de outra natureza. A piora das contas externas tem sido causada principalmente pela redução do superávit na conta de mercadorias. Essa redução é atribuível em parte à valorização cambial, resultante do ingresso de grandes volumes de capital estrangeiro. Esse capital financia a conta corrente, mas ao mesmo tempo valoriza o real, torna os produtos brasileiros mais caros e menos competitivos e prejudica a produção e os empregos. Para projetar as contas correntes, os economistas do Fundo tomaram como pressuposto a manutenção das atuais políticas. Em outras palavras, as ações econômicas em curso no Brasil tendem a refletir-se num crescente desequilíbrio externo. O excesso de gastos públicos, a demanda interna ainda vigorosa e os juros elevados são alguns dos principais componentes desse quadro. Qualquer ajuste sério envolverá a alteração desses fatores.Curiosamente, os especialistas do FMI se declaram confiantes nas promessas de arrumação das contas públicas feitas pelo governo brasileiro. Esse otimismo não combina com a projeção de piora das contas externas. Numa avaliação realista, Brasília tem de fazer muito mais para reconduzir a economia a uma situação sustentável.