Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O gargalo do saneamento básico

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

No papel, todos os brasileiros deverão ter saneamento básico em menos de dez anos. Na prática, porém, a julgar pelo atraso dos investimentos do governo federal, uma parte considerável do País - quase 50% em 2011 -, que é a sétima economia do mundo, ainda vai demorar muito para ter acesso a redes de esgoto sanitário, algo que a Organização das Nações Unidas considera ser um direito humano fundamental. Nos cálculos da Confederação Nacional da Indústria (CNI), citados pelo jornal Valor (16/10), o governo deveria investir R$ 17 bilhões anuais para atingir a meta de universalização desses serviços, cujo prazo fixado vence em 2020. Na prática, porém, apenas R$ 8 bilhões anuais têm sido aplicados. Essa lentidão agrava os problemas sociais e, por extensão, gera grandes prejuízos econômicos.Seguindo o padrão da administração petista em infraestrutura, a parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) voltada ao saneamento apresenta intolerável atraso. Um estudo do Instituto Trata Brasil, especializado na área, mostra que apenas 7% das obras para água e esgoto previstas para cidades com mais de 500 mil habitantes haviam sido concluídas até dezembro de 2011, e 60% estão paradas ou não saíram do papel.Os problemas não se resumem ao governo federal. Muitas prefeituras demonstram despreparo para elaborar os projetos necessários para a liberação de verbas e tampouco se interessaram em buscar auxílio para resolver o problema. Os municípios têm até dezembro de 2013 para apresentar seus planos, mas é improvável que a incapacidade técnica de muitos deles seja superada nesse prazo. Há ainda problemas nas licitações e lentidão na concessão de licenças ambientais, além do desinteresse da iniciativa privada para apostar no setor. Os empresários, como salientou a Confederação Nacional da Indústria, esperam que haja desoneração de investimentos para participar da empreitada - hoje, as empresas privadas na área de saneamento atendem somente 10% dos brasileiros.A universalização do saneamento básico teria forte impacto positivo na economia nacional, segundo estudo do Trata Brasil feito em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Esse estudo mostra, por exemplo, que a produtividade dos trabalhadores de áreas com serviços de água e esgoto chega a ser 13,3% superior à verificada em regiões em que o saneamento é precário ou inexistente.Por essa razão, algumas indústrias têm investido por conta própria nessas benfeitorias nas comunidades de seu entorno. Um exemplo é a Veracel Celulose, que instalou, em parceria com os governos municipais e do Estado, redes de esgoto e sistemas de tratamento de água em cidades baianas onde estão suas instalações. A empresa afirma que essas melhorias mudaram o perfil dos habitantes e, por conseguinte, de seus funcionários, que passaram a ter menos doenças. Segundo a FGV, as empresas perdem R$ 547 milhões anuais graças ao pagamento de salário integral a empregados que faltam por doenças causadas pelas más condições de saneamento. Todo ano, cerca de 217 mil trabalhadores faltam por esse motivo, e tais afastamentos custam, cada um, 17 horas de trabalho. As contas do Trata Brasil mostram ainda que a probabilidade de um empregado com acesso à rede de esgoto faltar ao trabalho é quase 20% menor que a de um funcionário sem esse acesso.Motivos, portanto, não faltam para que os administradores se empenhem um pouco mais em cumprir as metas de universalização do saneamento no Brasil. Os avanços são tímidos: entre 2000 e 2011, o total de domicílios brasileiros atendidos por redes de esgoto passou de 33,5% para 45,7%. Isso significa que mais da metade da população ainda vive como nos tempos de Jeca Tatu - chegam a 13 milhões os brasileiros que não têm acesso sequer a um banheiro, e apenas um terço do esgoto coletado recebe algum tipo de tratamento antes de ser despejado em solos e rios.Os especialistas calculam que, se for mantido o atual ritmo de investimentos, que dependem basicamente do Estado, o Brasil deixará essa vergonhosa condição somente no longínquo ano de 2122.