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O governo de ''Dave e Nick''

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Por Redação
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Em dado momento de uma entrevista da BBC com o deputado britânico Ed Valzey, do Partido Conservador, e o seu colega liberal-democrata Don Foster sobre as incongruências entre o programa do governo de coalizão recém-constituído por suas agremiações e as metas que elas defendiam na campanha para as eleições do último dia 6, um incomodado Foster interrompeu o jornalista. "Espere aí", atalhou. "Nós ainda somos dois partidos diferentes."As diferenças entre os parceiros que tomaram o lugar dos trabalhistas depois de 13 anos de reinado e a solidez da parceria firmada apesar disso são, de fato, as questões que cercam o primeiro governo de coalizão nas Ilhas Britânicas em 65 anos e a primeira coalizão desde sempre entre as legendas hoje lideradas pelo novo premiê conservador David Cameron e o seu vice, o liberal-democrata Nick Clegg.Um governo de co-habitação era a consequência mais provável dos resultados eleitorais que aplastaram os trabalhistas do então primeiro-ministro Gordon Brown, mas não deram aos conservadores, para não falar dos liberais-democratas ? a eterna terceira força da política britânica ?, as 326 cadeiras, em 650, necessárias para a maioria absoluta no Parlamento e a formação de um Gabinete hegemônico próprio.O que não se esperava foi a rapidez ? e a aparente naturalidade ? com que eles se uniram. Na campanha, os liberais batiam mais nos conservadores do que nos trabalhistas, enquanto aqueles os tratavam com absoluto desdém. Quando perguntaram a Cameron qual era a sua piada preferida ele respondeu: "Nick Clegg." A derrisão foi lembrada por um repórter na primeira coletiva de Cameron e Clegg, traduzindo o ceticismo em relação à súbita camaradagem entre eles ? a ponto de se dizer que "Dave e Nick" são a mais nova dupla de comediantes britânicos. Essa avaliação talvez subestime a química entre os dois jovens líderes (Cameron, com 43 anos, é o premiê mais moço do Reino Unido desde 1812), ambos cosmopolitas, pragmáticos e sofisticados: duas faces do século 21 à beira do Tâmisa. De resto, também ali, a perspectiva do poder é o cicatrizante preferido dos políticos. Para os liberais-democratas, migrar para o centro do sistema parece compensar, além das estocadas recebidas, as concessões aos conservadores no chamado "contrato de coalizão". Eles aceitaram que o Orçamento de Emergência a ser apresentado em 50 dias inclua um corte imediato de £ 6 bilhões no gasto público para o combate ao déficit de £ 163 bilhões, ou 11,5% do PIB britânico ? o principal problema nacional.Era o que os liberais refugavam, com o argumento de que a tesourada travaria a incipiente recuperação da economia das Ilhas, onde, ainda assim, o desemprego é o mais alto dos últimos 15 anos. Em contrapartida, os conservadores desistiram de reduzir o imposto sobre heranças e concordaram em elevar o piso dos rendimentos tributáveis. Na votação dos pontos divergentes da política econômica, os liberais terão licença de se abster, sem ferir os sentimentos dos sócios.Apesar dos entendimentos e da concordância sobre as "decisões impopulares" a serem tomadas, os lib-dem devem ter sofrido um baque ao saber que o novo czar da economia britânica será George Osborne. Não, decerto, pela sua tenra idade (34 anos), mas pela dureza de suas posições ortodoxas. Tampouco devem ter apreciado a ida do veterano William Hague para as Relações Exteriores. Em matéria de política europeia ? um grande divisor de águas entre os coligados, ao lado da questão da imigração ?, ele enxerga noite onde os liberais veem o dia.O que de mais importante eles extraíram foi o compromisso conservador com a convocação de um plebiscito sobre a mudança do sistema de voto distrital puro que lhes dá menos cadeiras do que às duas maiores legendas em comparação com os votos recebidos. E o mais esperto de tudo foi o arranjo pelo qual o Parlamento passará a ter mandato fixo de 5 anos; eleições antes disso, só se o governo de turno cair pelo voto de 55% dos deputados, rompendo a tradição parlamentarista das decisões por maioria simples. Juntos, os novos (e blindados) parceiros detêm 56% das cadeiras em Westminster.