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O governo derrotará o governo?

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Por Claudio Langone, Aloysio Costa Jr. e Clarismino
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Está prestes a ser votado na Câmara dos Deputados o PLP 12/2003, do deputado Sarney Filho, que regulamenta o artigo 23 da Constituição federal, disciplinando as competências dos entes federados na área ambiental. A relevância do tema motivou o governo a incluir um projeto de lei (PL) de sua autoria, da mesma natureza (PL 388/07), como a única medida ambiental do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em fevereiro de 2007. O texto do PL 388/07 foi resultado de uma série de consultas feitas pelo governo federal, com vistas a aperfeiçoar o texto do PLP 12 e ao entendimento prévio entre os três níveis de governo. A motivação central do governo para o envio do PL foi reduzir a excessiva judicialização do licenciamento dos empreendimentos, em geral motivada por ações do Ministério Público Federal (MPF), cuja intenção é transferir boa parte da análise dos empreendimentos de competência estadual para o Ibama. Nesses casos, cria-se uma situação curiosa, porque em geral os entes federados não litigam entre si pela titularidade do licenciamento, mas viram reféns da judicialização. As ações do MPF decorrem da omissão do legislador, uma vez que o Texto Constitucional de 1988 remeteu, em seu artigo 23, a repartição das atribuições referentes às competências comuns entre os entes federados para regulamentação por lei complementar, em todas as áreas, o que não foi feito até o momento, decorridos 21 anos. Na área ambiental, para minimizar o vácuo provocado pela falta de regulamentação, em 1997 o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) pôs em vigor a Resolução 237. Embora contestada por alguns setores, ela disciplinou o papel dos entes federados e estabeleceu procedimentos para o licenciamento ambiental. O próprio MPF, quando consultado pelo governo antes do envio do PLP, destacou o assunto entre suas prioridades. O ministro Carlos Minc incluiu a aprovação do projeto no chamado "Destrava Ibama" e vem sistematicamente destacando a prioridade do tema. Em 2008, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) realizou seminário sobre a judicialização das obras de infraestrutura e destacou o tema como uma das principais pendências para o setor, o que foi reiterado em seu balanço dos dois anos do PAC. Dentre as principais características do projeto estão as seguintes: só um ente licencia; quem licencia tem a prioridade da fiscalização; quem licencia multa; a supressão de vegetação num empreendimento será autorizada pelo mesmo ente responsável pelo seu licenciamento; definição clara das atribuições dos entes por meio da tipificação dos impactos federal e local; e definição pelo Conama das atribuições sobre empreendimentos localizados concomitantemente no mar e em terra. Entre os pontos citados, o principal é a tipificação, em que se fará, por meio de norma no âmbito federal e dos Estados, a listagem exaustiva dos empreendimentos que por seu porte, potencial poluidor e natureza da atividade seriam de atribuição federal e local; e todos os perfis nelas não abrangidos serão de responsabilidade dos Estados. Esse caminho elimina completamente a subjetividade, torna a regra clara e, com isso, diminui significativamente a judicialização. Mas o envio do PL e sua inclusão no PAC não se traduziram em prioridade política do governo para o tema: sua tramitação é extremamente lenta e isso tem trazido graves prejuízos aos investimentos no País, que voltou a ter alto nível de judicialização dos licenciamentos. Após passar pelas comissões, o projeto encontra-se na ordem do dia do plenário da Câmara desde 19 de maio, tendo sua votação sucessivamente adiada por acordo dos líderes, em razão de um impasse entre ambientalistas e ruralistas, estes com suporte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que tem operado sistematicamente contra a posição não só do Ministério do Meio Ambiente (MMA), como do próprio Palácio do Planalto. O impasse deve-se ao fato de a Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) não aceitar a referência ao Conama, no texto da lei complementar, como responsável pela tipificação da listagem de empreendimentos que serão de responsabilidade federal. A proposta da FPA é remeter essa questão central para acabar com a judicialização... para outra lei! Ou seja, após 21 anos de omissão na matéria, o Congresso votaria uma lei que não resolve a principal questão para a qual foi pensada pelo próprio legislador. Sem resolver esse ponto, fica valendo a regra, o que mantém e agrava o cenário de judicialização. É difícil entender a razão lógica da posição da FPA e do Mapa, uma vez que o setor agrícola será um dos grandes beneficiados pela descentralização do licenciamento ambiental: com a aprovação do PL, a quase totalidade dos licenciamentos de atividades rurais será de responsabilidade estadual e municipal, trazendo ganhos objetivos ao setor, que hoje enfrenta dificuldades de acesso a financiamentos em razão das exigências dos bancos públicos e privados em cumprimento ao Protocolo Verde. Urge superar tais questões. De um lado, o Mapa e a FPA devem se desprender de posições ideológicas e dar sua contribuição para a viabilização de importantes obras de infraestrutura, muitas de interesse do próprio setor, como rodovias, ferrovias e portos, fundamentais para o escoamento da produção. De outro, o governo deve orientar todos os Ministérios e sua base de sustentação a trabalhar pela imediata aprovação do PL. Sob pena de o principal artífice do PAC acabar sendo o responsável pelo seu "travamento" nessa área. Claudio Langone, consultor em gestão ambiental e sustentabilidade, foi secretário executivo do MMA. Aloysio Costa Jr., secretário executivo de Meio Ambiente da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente-PE, é presidente da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente. Clarismino Luiz Pereira Júnior é presidente da Agência Municipal de Meio Ambiente de Goiânia e da Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente