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O horário gratuito e os nanicos

Sistema em vigor embute uma poderosa fonte de corrupção

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Por Redação
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O financiamento de campanhas eleitorais por corporações privadas é uma óbvia fonte de ilicitudes, como se tem comprovado nos últimos tempos no País, e essa é uma das razões pelas quais essa prática foi sabiamente vetada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As doações eleitorais de pessoas físicas, insuficientes para os padrões milionários de nossas campanhas eleitorais, são permitidas dentro dos limites legais. Mas o sistema em vigor de predominância do financiamento público, que é enfaticamente defendido por maliciosos defensores da Justiça e da moralidade, embute uma poderosa fonte de corrupção que tende a ser negligenciada quando se discute a urgente necessidade de uma ampla reforma política: o chamado horário eleitoral gratuito no rádio e na TV. Para começar, de gratuito esse tempo oferecido aos partidos políticos não tem nada, porque é pago pelos cofres públicos, ou seja, pelo contribuinte. É um bom negócio para as emissoras de rádio e televisão – ao contrário do que muitos imaginam – e, principalmente, para os partidos. Tanto para os que precisam de tempo de exposição na mídia para conquistar votos como para os que não têm nenhuma pretensão eleitoral – as chamadas legendas de aluguel –, mas faturam alto vendendo o tempo a que têm direito em nome de “alianças” ou “coligações” cujo valor se mede em moeda corrente. A propaganda eleitoral obrigatória no rádio e na TV aberta foi imaginada como um modelo de justa distribuição de tempo entre candidatos e partidos, de modo a eliminar a influência do poder econômico no processo eleitoral. Para tanto, é proibida a compra de tempo no rádio e na TV por partidos e candidatos. A lei estabelece que as emissoras devem ceder gratuitamente às legendas tanto o tempo para a propaganda de seus programas políticos, fora do período eleitoral, como para a propaganda dos candidatos, no tempo limitado da campanha eleitoral. De acordo com a lei, a cessão desse tempo é ressarcida às emissoras na forma de isenção fiscal, em montante equivalente a 80% do valor estabelecido nas respectivas tabelas de preço. Dependendo do volume, nas negociações de venda de publicidade comercial os descontos concedidos pelas emissoras costumam ser maiores do que 20%. Para efeito de campanha no rádio e na TV, a cada legenda é atribuído um tempo proporcional a sua representação nas Casas legislativas. Partidos nanicos, obviamente, dispõem de tempo reduzido, existindo um mínimo para os que não dispõem de representação parlamentar. Mas, em se tratando de campanha eleitoral, cada segundo é valioso. E esse é o momento em que os nanicos – inclusive os que se definem como “ideológicos” – usam seu poder de barganha para compensar os recursos igualmente escassos que provêm da outra fonte importante de financiamento, o Fundo Partidário. Somados, os recursos diretos do Fundo Partidário e os indiretos – em todos os sentidos – da chamada propaganda gratuita tornam a existência de pequenos partidos políticos – que, de modo geral, estão condenados a permanecer nessa condição – suficientemente atraente e gratificante para pretensas lideranças absolutamente desimportantes no cenário político, frequentemente movidas por ambição pessoal, vaidade ou tino para negócios.  Vai uma enorme distância, portanto, entre, quando as há, as boas intenções de um sistema de financiamento público de partidos e campanhas eleitorais e a realidade do sistema político-partidário-eleitoral em vigor. O déficit de representatividade popular é em parte o resultado de um sistema partidário viciado e decadente. Diante de absurdos como a existência de 35 partidos políticos registrados na Justiça Eleitoral e outros 50 na expectativa de terem aprovados seus pedidos de legalização, todos eles se beneficiando da mamata dos recursos públicos, não há a menor possibilidade de que a atividade política, essencial à democracia, seja efetivamente colocada a serviço do bem comum. Continuará sendo apenas um bom negócio para os maus políticos. Isso precisa mudar.