02 de dezembro de 2011 | 03h06
No mesmo momento em que em Durban se discutiam as questões relacionadas com as mudanças climáticas, um relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) já punha em foco muitas das dificuldades do "desenvolvimento sustentável", relacionadas principalmente com a agricultura. A degradação progressiva e a escassez dos recursos terra e água, afirma o documento, "põem em perigo os sistemas-chave da produção de alimentos no mundo, na hora em que já se discute como se fará para alimentar 9 bilhões de pessoas em 2050". O relatório ressalva que houve muitos êxitos nessa área em 50 anos, mas também associados a muitas práticas que degradaram terras e sistemas hídricos. E isso ameaça a própria expansão da produção. O problema vai das terras americanas às estepes da Ásia Central, da Austrália à região central dos Estados Unidos, da Europa mediterrânea à África. E inclui no problema a expansão da pecuária e da produção de alimentos, assim como a produção de biocombustíveis - e ainda com a possibilidade de novos problemas gerados pelo aumento da temperatura planetária, por chuvas e alterações no fluxo dos rios.
O próprio uso intensivo de recursos contribuiu - uma vez que entre 1961 e 2009 a superfície agrícola mundial cresceu 12% - para um aumento da produção de 150%. Mas já há lugares onde ocorre um decréscimo, com a produção reduzida à metade do que foi no início da "resolução verde". Por isso mesmo, 25% das terras no mundo estão altamente degradadas e 8% em nível moderado, ante 36% estáveis e 10% melhorando a situação. A agricultura ocupa 1,6 bilhão de hectares (Estado, 29/11).
A FAO enfatiza ainda que é preciso reduzir a dependência do sistema da alimentação em relação aos combustíveis fósseis, em toda a cadeia, que vai da produção de insumos e plantio ao processamento, transporte, comercialização e consumo. Ao longo dessa cadeia se consomem 30% da energia produzida no mundo e se geram 20% das emissões que contribuem para mudanças do clima. É preciso trabalhar com energias "alternativas", diz. Além disso, nos países ditos em desenvolvimento será indispensável investir pelo menos US$ 100 bilhões para aumentar a produção de alimentos. Chegar ao aumento de 70% na produção exigirá o consumo de mais 36% de energia só até 2035.
Tudo fica ainda mais difícil quando se lembra, como o Banco Mundial (Estado, 24/7/2010), que 35 dos países que mais sofrem com falta de alimentos estão na África, onde os recursos são mais do que escassos. Pode-se chegar a 2015 com 1,8 bilhão de pessoas sofrendo com a escassez, se somado o aumento da população aos problemas da degradação de recursos. A agricultura, ressalta, consome hoje cerca de 70% de toda a água no mundo. Mas com investimento anual de US$ 198 bilhões no setor hídrico, assegura o Relatório da Economia Verde lançado pela ONU na Conferência Mundial da Água em Estocolmo (agosto de 2011), pode-se reduzir a escassez de água e reduzir pela metade o número de pessoas sem acesso ao líquido de boa qualidade, assim como baixar em 50% o número de pessoas sem saneamento básico.
No Brasil, que faríamos? Poderíamos começar reduzindo as perdas nos sistemas de distribuição de água nas cidades, onde mais de 40% da que sai das estações de tratamento se perde pelo caminho, por causa de furos e vazamentos em redes antigas e sem conservação. Uma das poucas cidades onde as perdas estão sendo reduzidas é São Paulo, com financiamentos até do Japão. Mas as águas que serão transpostas do Rio São Francisco irão em boa parte para abastecimento de cidades onde a perda é até maior que a média (e com alto custo, pois a água desviada do rio terá de subir centenas de metros). E o maior problema está - como já se comentou neste espaço - em que até recentemente não havia um só sistema de financiamento para recuperação de redes.
Outro problema está na defasagem de grande parte dos equipamentos de irrigação no País, ainda antigos e que desperdiçam mais de 50% da água espargida a grande altura. A consequência é a perda de boa parte por evaporação, enquanto outra parte, com seu próprio peso, contribui para a compactação do solo, a erosão e o carreamento de sedimentos e insumos químicos para os rios, onde são a principal fonte de poluição (no mundo, 100 milhões de toneladas/ano de nitrogênio chegam por esse caminho aos oceanos e são a maior causa de perda de sua biodiversidade, diz o Pnuma). Bastaria que se proibisse, por portaria dos bancos oficiais, o financiamento a esses equipamentos obsoletos para que o problema diminuísse muito.
São, todas as mencionadas, questões importantes no caminho do "desenvolvimento sustentável", quase todas entrelaçadas com lógicas financeiras difíceis de abandonar - especialmente num momento de crise econômico-financeira que, a julgar pelos acontecimentos até aqui, pode inclusive agravar-se.
Tudo isso leva muitos analistas a até mesmo duvidar de que a ONU mantenha o calendário e os temas para a Rio+20.
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