Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O impasse na Síria

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

A revolta popular contra o regime de partido único que detém o poder na Síria há quase meio século, personificado nos últimos 11 anos pelo ditador Bashar Assad, já entrou no seu quarto mês - e ninguém sabe ao certo nem quanto tempo ainda poderá durar, muito menos como terminará. Ao preço de 1.300 mortos, 10 mil presos e torturados, 10 mil refugiados na Turquia e outros 10 mil esperando a vez de cruzar a fronteira entre os dois países, a terceira grande onda pela democracia a se erguer no mundo árabe (depois dos bem-sucedidos movimentos na Tunísia e Egito) obteve palpáveis vitórias.Demonstrando uma capacidade insuspeitada de resistência à repressão com que o governo decidiu tratar as manifestações por uma abertura política, desde os primeiros dias, quando as passeatas ainda não exigiam a saída de Assad, os opositores espalhados por esse país de 22,5 milhões de habitantes não desistiram de voltar às ruas. Apesar da escassa coordenação política que só há pouco começou a ser superada, a perseverança da oposição erodiu em ampla medida a legitimidade do regime e a sua aceitação internacional.Nem por isso se pode dizer que o colapso de Assad é iminente - ou inevitável. Diferentemente do que ocorreu em Túnis e no Cairo, o conjunto de interesses articulados em torno do sistema político que os beneficia não dá sinais de fraquejar. Unidas quase sempre pela identidade etnorreligiosa alauíta - a derivação do islamismo xiita a que pertence o clã Assad -, as famílias políticas que controlam o partido oficial Baath, a plutocracia dos negócios, os chefes militares e os serviços de segurança permanecem leais ao ditador. E ele dá passos medidos para preservar esse patrimônio, admitindo apenas uma ou outra concessão.Aconselhado, ao que se diz, pelo primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, Assad simula combater o nepotismo e a corrupção no governo, ao induzir o seu primo Rami Makhlouf, provavelmente o maior magnata sírio e símbolo dos privilégios extravagantes da família, a trocar os negócios por atividades filantrópicas. Admite-se até que Assad venha a afastar o odiado irmão Maher do controle das ações repressivas. Foi para manter o apoio coeso desse grupo de "correligionários" que ele reuniu na Universidade de Damasco, na segunda-feira, 1.400 partidários para ouvi-lo anunciar o advento de um "diálogo nacional" destinado a pacificar o país.Quaisquer que possam ser os seus efeitos para o público interno, as apenas delineadas promessas de reformas incluídas nesse seu terceiro discurso desde a irrupção da crise não foram levadas a sério pela oposição que enfrenta no país e no exterior. "No ano passado, eu as teria aplaudido", comentou um ativista. "Agora se trata de permitir que o povo se manifeste livremente e de esvaziar as cadeias de presos políticos." O pior na opinião dessa oposição foi Assad qualificar os manifestantes de "sabotadores", em relação aos quais "não podemos ser lenientes".Não escaparam a muitos as semelhanças entre o vocabulário do ditador e o dos seus congêneres, o tunisino Zine Ben Ali, o egípcio Hosni Mubarak e o líbio Muamar Kadafi. Assad, por exemplo, chamou os opositores de "germes". Kadafi havia falado em "vermes". Todos denunciaram conspirações, fizeram promessas e insistiram nas ameaças. Ativistas sírios preferiram lembrar que o terceiro discurso também foi o último de Ben Ali, antes da fuga, e de Mubarak, antes da prisão. Mas Kadafi já falou muito mais e resiste no poder em Trípoli, apesar dos bombardeios devastadores da Otan.A intervenção ocidental na Líbia, aliás, impôs um limite às tentativas de punição de Assad por suas barbaridades. Na remota hipótese de o Conselho de Segurança da ONU condená-lo nos termos pretendidos pelos Estados Unidos e a França, a Rússia e a China vetariam a resolução - com o apoio do Brasil -, porque a anterior, contra Kadafi, por eles aprovada, deu margem a ações militares muito mais abrangentes do que o previsto no texto. O que pode amedrontar Assad é o endurecimento da vizinha Turquia, que endossa as exigências da oposição.