22 de junho de 2011 | 00h00
Demonstrando uma capacidade insuspeitada de resistência à repressão com que o governo decidiu tratar as manifestações por uma abertura política, desde os primeiros dias, quando as passeatas ainda não exigiam a saída de Assad, os opositores espalhados por esse país de 22,5 milhões de habitantes não desistiram de voltar às ruas. Apesar da escassa coordenação política que só há pouco começou a ser superada, a perseverança da oposição erodiu em ampla medida a legitimidade do regime e a sua aceitação internacional.
Nem por isso se pode dizer que o colapso de Assad é iminente - ou inevitável. Diferentemente do que ocorreu em Túnis e no Cairo, o conjunto de interesses articulados em torno do sistema político que os beneficia não dá sinais de fraquejar. Unidas quase sempre pela identidade etnorreligiosa alauíta - a derivação do islamismo xiita a que pertence o clã Assad -, as famílias políticas que controlam o partido oficial Baath, a plutocracia dos negócios, os chefes militares e os serviços de segurança permanecem leais ao ditador. E ele dá passos medidos para preservar esse patrimônio, admitindo apenas uma ou outra concessão.
Aconselhado, ao que se diz, pelo primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, Assad simula combater o nepotismo e a corrupção no governo, ao induzir o seu primo Rami Makhlouf, provavelmente o maior magnata sírio e símbolo dos privilégios extravagantes da família, a trocar os negócios por atividades filantrópicas. Admite-se até que Assad venha a afastar o odiado irmão Maher do controle das ações repressivas. Foi para manter o apoio coeso desse grupo de "correligionários" que ele reuniu na Universidade de Damasco, na segunda-feira, 1.400 partidários para ouvi-lo anunciar o advento de um "diálogo nacional" destinado a pacificar o país.
Quaisquer que possam ser os seus efeitos para o público interno, as apenas delineadas promessas de reformas incluídas nesse seu terceiro discurso desde a irrupção da crise não foram levadas a sério pela oposição que enfrenta no país e no exterior. "No ano passado, eu as teria aplaudido", comentou um ativista. "Agora se trata de permitir que o povo se manifeste livremente e de esvaziar as cadeias de presos políticos." O pior na opinião dessa oposição foi Assad qualificar os manifestantes de "sabotadores", em relação aos quais "não podemos ser lenientes".
Não escaparam a muitos as semelhanças entre o vocabulário do ditador e o dos seus congêneres, o tunisino Zine Ben Ali, o egípcio Hosni Mubarak e o líbio Muamar Kadafi. Assad, por exemplo, chamou os opositores de "germes". Kadafi havia falado em "vermes". Todos denunciaram conspirações, fizeram promessas e insistiram nas ameaças. Ativistas sírios preferiram lembrar que o terceiro discurso também foi o último de Ben Ali, antes da fuga, e de Mubarak, antes da prisão. Mas Kadafi já falou muito mais e resiste no poder em Trípoli, apesar dos bombardeios devastadores da Otan.
A intervenção ocidental na Líbia, aliás, impôs um limite às tentativas de punição de Assad por suas barbaridades. Na remota hipótese de o Conselho de Segurança da ONU condená-lo nos termos pretendidos pelos Estados Unidos e a França, a Rússia e a China vetariam a resolução - com o apoio do Brasil -, porque a anterior, contra Kadafi, por eles aprovada, deu margem a ações militares muito mais abrangentes do que o previsto no texto. O que pode amedrontar Assad é o endurecimento da vizinha Turquia, que endossa as exigências da oposição.
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