14 de dezembro de 2015 | 03h00
Os argumentos utilizados contra o impeachment chegam a ser risíveis. Alardeiam como sendo um golpe um instituto de nossa própria Constituição.
1.º – Se o impeachment é golpe, os golpistas são os petistas, a começar pelo ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, que defendeu o impeachment dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. O mesmo vale para o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro, que até em artigo publicado na Folha de S.Paulo também defendeu o impeachment de Fernando Henrique. Não sem razão os senadores Lasier Martins e Ana Amélia Lemos demonstraram no Senado, ao divulgarem esses fatos, a sua mais total indignação.
2.º – Não faltam petistas disfarçados de intelectuais, ou vice-versa, que apresentam como pretenso argumento a suposta ingovernabilidade resultante do processo de impeachment. Só que a ingovernabilidade foi produzida pelo atual governo. Nela já vivemos. Ora, o impeachment do presidente Fernando Collor terminou por resolver um problema de ingovernabilidade, assumindo o seu vice, Itamar Franco, que realizou um governo de unidade nacional. Lá se originou o Plano Real, elaborado pela equipe de seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que o concretizou quando se elegeu presidente. Saiu um novo Brasil, que assentou as bases, aliás, do primeiro mandato do presidente Lula.
3.º – O Brasil vê-se diante de situação análoga à de Collor. O desgoverno Dilma já chegou ao limite, levando o País a condição extremamente perigosa, com o PIB afundando cada vez mais, o desemprego e a inflação aumentando, na ausência de soluções e na quebra total de expectativas. A corrupção e o desvio de recursos públicos estouram de todos os lados. Estão, nesse sentido, dadas as condições para que assuma o vice-presidente Michel Temer, num governo de unidade nacional, voltado para a pacificação do País. Uma nova equipe ministerial e uma injeção responsável de esperança e mudança propiciariam o nascimento de outro País.
4.º – O impeachment é um instituto democrático, que faz parte da nossa Constituição. Qualificar o impeachment como golpe significa considerar a própria Constituição como golpista, o que não faz nenhum sentido. Contudo a busca de sentido não parece fazer parte dos que sustentam tal posição. Primam pela não aplicação do princípio de não contradição, fazendo-os assumir posições francamente insensatas.
5.º – Qualificar o processo de impeachment como viciado por ter sido iniciado pelo deputado Eduardo Cunha é outra pérola de má-fé. O deputado agiu como presidente da Câmara, no exercício de suas funções, no respeito à Constituição. Ele não fez nenhum julgamento, apenas deflagrou o processo a partir de um pedido assinado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. O que está, doravante, em questão é a argumentação apresentada. Desviar o foco para as atribulações do deputado na Comissão de Ética é somente a expressão de um artifício político para distrair a atenção da questão central do desgoverno Dilma.
6.º – Note-se que não cabe ao presidente da Câmara nem à própria Câmara julgar, no sentido estrito, o impeachment, na medida em que essa atribuição é exclusiva do Senado. O juízo da Câmara não é propriamente de mérito, mas tão somente de admissibilidade a partir de uma Comissão Especial, que passa a seguir seu próprio procedimento. Nela, e depois no plenário, é que se desenrola, a rigor, o jogo das forças políticas, em que os argumentos dos diferentes lados serão esgrimidos. E esse jogo tem como base o pedido de impeachment apresentado pelos juristas seus autores.
7.º – O impeachment é um instituto do regime presidencialista, analogicamente concebido como uma forma do voto de desconfiança que caracteriza os regimes parlamentaristas. Em ambos, trata-se de um juízo sobre o mau governo, chamando os que o exercem à responsabilização. Ou seja, o impeachment é aventado em situações extremas de mau governo, com infrações, entre outras, à Lei Orçamentária (Lei da Responsabilidade Fiscal, no caso das “pedalas fiscais” e de decretos sem base orçamentária, não autorizados pelo Congresso) e à improbidade administrativa (omissão no petrolão, por exemplo, independentemente de a presidente ter aproveitado pessoalmente ou não da corrupção).
8.º – Nesse aspecto, no impeachment é impropriamente nomeado o “crime”, por não se tratar de crime no sentido penal, mas chamar a presidente à sua responsabilização por atos cometidos em sua gestão. Frise-se que se trata da responsabilização administrativa e política de nossa governante máxima, algo que pode ou não estar conectado com um crime no sentido penal, que seria, então, julgado pelo STF, e não pelo Senado. Ou seja, o motivo do impeachment é apenas analogicamente considerado “crime” à falta de termo melhor, por não compartilhar os elementos básicos do crime penal. Logo, o argumento de que a presidente é “honesta” nada tem que ver com o crime de “responsabilidade”. É mera distração política.
Em suma, o impeachment é um julgamento eminentemente político, chamando, no caso, a presidente à responsabilização por seus atos, que mergulharam o País nesta enorme crise. Como bem pontuou o saudoso ex-ministro Paulo Brossard, em seu livro Impeachment, “a ideia de responsabilidade é inseparável do conceito de democracia. E o impeachment constituiu eficaz instrumento de responsabilidade e, por conseguinte, de aprimoramento da democracia”.
A ele minha homenagem.
*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.
E-mail: denisrosenfield@terra.com.br
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