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O improviso do bilhete único

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Por Redação
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O anúncio de que o cadastramento dos interessados em utilizá-lo começa dia 15 e que ele passa a valer em novembro pode dar a impressão de que está tudo bem com o bilhete único mensal, uma das principais promessas de campanha do prefeito Fernando Haddad. Na realidade, as coisas são mais complicadas do que a nova administração municipal se esforça por apresentar. As dúvidas que cercam esse bilhete sugerem que ele foi mais uma ideia improvisada para seduzir os eleitores do que um projeto bem estudado, com a devida atenção para seu custo e seus benefícios para os passageiros, assim como para a sua extensão aos outros componentes do sistema de transporte coletivo da capital, que inclui metrô e trens, estes de responsabilidade do governo do Estado. Até agora ele só vale para o serviço de ônibus. Uma das ideias aventadas para a identificação do passageiro habilitado a utilizar o bilhete foi a biometria, um sistema que, pela sua precisão, a Prefeitura julgou ideal para evitar fraudes, porque impediria a utilização do bilhete por outra pessoa além do titular. Talvez por seu alto custo, ele foi deixado de lado por enquanto. O cadastramento dos usuários será feito com seus dados pessoais e uma foto, que comporão o seu bilhete. Esse será o documento que lhe permitirá fazer quantas viagens de ônibus quiser durante 30 dias. Para evitar fraudes, a SPTrans, que gere o serviço de ônibus, pretende rastrear o uso do bilhete, para verificar se ele não está sendo usado acima da média das viagens feitas pelos seus titulares. Uma ideia de execução tão difícil - haverá alguns milhões de usuários - que parece mais produto de improvisação que de estudos técnicos. Além de ser de utilidade duvidosa. Em grandes cidades que têm esse tipo de bilhete - Londres, Nova York, Paris -, em cujo exemplo certamente Haddad se inspirou, há apenas aquele documento com foto. Fraudes são combatidas pela fiscalização e pela polícia. É o que deveria ser feito aqui.Outra questão até agora não devidamente esclarecida é a do preço do bilhete tanto para o usuário como para a Prefeitura. Para o usuário, ele foi estimado - note-se bem, estimado - em R$ 140. Além de não ser um número exato, não se sabe nem ao menos que estudos - se eles existem, não foram divulgados - permitiram chegar àquela estimativa. Qual será o impacto nessa estimativa do reajuste da tarifa de ônibus - hoje de R$ 3 - em junho? Reajuste sobre o qual, acrescente-se, não se sabe muito até agora. "É sempre proporcional", limita-se a dizer o secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto. Para a Prefeitura, prevê-se que o custo do bilhete - hoje, antes do aumento da tarifa - será de R$ 400 milhões. É quase tudo muito vago, como se vê. Uma das poucas coisas precisas até o momento é o cálculo de quantas viagens compensarão ter o bilhete único mensal - um mínimo de 46, considerando-se o preço de R$ 140 e a tarifa de R$ 3. Mas não se conhecem nem estudos nem estimativas sobre quantos, dos 6 milhões de usuários do atual bilhete único comum, poderão se interessar pelo bilhete mensal. Está estabelecido também que a compra de créditos para o bilhete, depois do cadastramento, será feita por telefone ou pela internet. Outro aspecto da questão que aponta mais para a improvisação do que para o planejamento é a incerteza quanto à extensão do bilhete ao Metrô e à CPTM, sem o que o seu alcance será bastante limitado. O certo teria sido anunciar durante a campanha não a implantação do bilhete, em sua versão acanhada, sem maiores estudos e circunscrita aos ônibus, mas a intenção de discutir o problema com o governo do Estado. Queiram ou não o prefeito e o governador - por razões políticas -, o sistema de transporte coletivo da capital, formado pelos ônibus, o Metrô e a CPTM, deve fatalmente ter um mínimo de integração. Há um limite para se tratar suas partes isoladamente. Haddad se esqueceu de que o bilhete pode não interessar, do ponto de vista técnico, ao Metrô e à CPTM, já superlotados.Por tudo isso, vai pagar o preço da pressa e da imprudência. Talvez à custa dos paulistanos.