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O incerto futuro britânico

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Por Redação
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Um governo de minoria ? o primeiro em 36 anos ? é tudo o que a Grã-Bretanha não precisava a esta altura, quando a grave crise fiscal em que está imersa se combina com a nova turbulência financeira que ameaça se alastrar pelo mundo. Mas é a isso que os resultados das eleições de anteontem no Reino Unido podem conduzir ? se não a um governo de coalizão, cuja precariedade é antecipada pelas próprias incertezas sobre os partidos que viriam a formá-la e o nome do primeiro-ministro em torno do qual se aglutinaria.O pleito, que deu aos conservadores liderados por David Cameron 306 cadeiras no Parlamento de 650 lugares ? 97 a mais do que conquistaram em 2005 ?, não os contemplou, porém, com o mínimo necessário (326) para a maioria absoluta que lhes permitiria assumir de imediato o governo. Esse desfecho incomum veio acompanhado de um paradoxo. Se a vitória conservadora foi relativa, a derrota pessoal do primeiro-ministro trabalhista Gordon Brown foi absoluta. O seu partido perdeu 91 das cadeiras e 6,2% dos votos obtidos na disputa de 2005 (ante um ganho conservador de 97 e 3,8%, respectivamente). Mas o retrocesso do Labour, há 13 anos no poder, exprimiu antes de tudo a rejeição da ampla maioria do eleitorado à cansada e inapetente figura do premiê que sucedeu ao correligionário Tony Blair em 2007. Talvez imerecidamente, ele acabou se tornando o símbolo da insensibilidade e das jogadas escusas que detonaram o já escasso prestígio da classe política britânica. Não obstante isso, 65% dos eleitores foram às urnas. Brown não foi o único parlamentar flagrado há exatamente um ano usando dinheiro público para cobrir gastos pessoais ? e foi um dos que menos se esbaldaram. Além disso, a determinação com que respondeu ao colapso financeiro internacional de 2008, no que tocava ao Reino Unido, foi elogiada até pela oposição. A mesma, por sinal, que o responsabilizaria pelo assustador déficit público britânico de 11,5% do PIB, esquecida de que metade disso se deve aos custos do socorro do governo à banca e das injeções de recursos para resgatar a economia da recessão. Mas os seus dias estavam contados.Moralmente ? mas não legalmente ? Brown teria a obrigação de renunciar e deixar que a rainha, conforme a tradição, chamasse David Cameron para constituir o novo governo. É o que desejam 81% dos britânicos, segundo as pesquisas. Em vez disso, invocando o imperativo de dar ao Reino Unido um governo "forte e estável" para enfrentar a crise, ele tenta atrair os liberal-democratas de Nick Clegg para o que os conservadores chamam "a coalizão dos derrotados", enquanto Cameron começou ontem a fazer o mesmo.O desempenho de Clegg nos debates televisivos, que pela primeira vez antecederam uma eleição na Grã-Bretanha, levou a supor que o seu partido de centro-esquerda daria um salto nas urnas. Em vez disso, avançou apenas 1% e ficou com 57 cadeiras, perdendo 5. A distorção se explica pelo voto distrital puro do sistema britânico, cuja abolição é a bandeira histórica dos liberais. Para decepção de Brown, Clegg decidiu conversar antes com Cameron, embora a sua distância ideológica dos conservadores seja bem maior do que em relação aos trabalhistas. Desde a primeira hora, Clegg sustentou que Cameron adquiriu o "direito natural" de suceder a Brown. E, na ponta do lápis, uma aliança dos conservadores com os chamados lib-dem, conquanto estranha, produziria um governo hegemônico, ao passo que a outra coligação continuaria carente de cadeiras para ter a maioria.Mas as alternativas são múltiplas. Conservadores e trabalhistas podem também tentar se compor com os partidos regionais que detêm uma vintena de assentos. Ou fazer acordos em torno de projetos pontuais. Os liberais, de seu lado, poderiam fechar com o Labour se Brown cedesse lugar a outro companheiro. E por aí vai.O problema é que os problemas econômicos não esperam. Embora nem conservadores nem trabalhistas tenham apresentado planos claros para combater o déficit (e a dívida interna de 68% do PIB), algo terá de ser anunciado a curto prazo ? e implementado por um governo "forte e estável" que ainda não se vislumbra.