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O início do recomeço

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Por Redação
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Um desafio perpassa a agenda internacional do presidente Barack Obama: desfazer os erros da política externa do antecessor George W. Bush. Esse é o pano de fundo da ida de Obama a Moscou para conversações com o presidente Dmitri Medvedev e com o primeiro-ministro Vladimir Putin. A visita de dois dias, concluída ontem, foi o primeiro passo para traduzir em fatos a iniciativa da Casa Branca de engajar o Kremlin no restart (recomeço) das relações entre os dois países. Esse o termo que Washington tomou emprestado da informática para simbolizar o que na linguagem convencional se chama virada de página. Uma empreitada e tanto. As páginas mais recentes continham uma narrativa de desentendimentos e antagonismos que remeteram o diálogo bilateral aos crispados padrões da guerra fria. A invasão do Iraque, tradicional Estado-cliente de Moscou, foi recebida como uma afronta ao interesse nacional russo. Além disso, a impensada decisão, embora não consumada, de abrir as portas da Organização do Tratado do Atlântico Norte à Ucrânia e à Geórgia, assim como o anúncio da futura instalação de um escudo antimísseis na República Checa e na Polônia, reforçaram na elite dirigente russa a certeza de que os Estados Unidos estavam determinados a intimidar o centro do antigo poder soviético, rebaixado para a segunda classe. Putin, de seu lado, fez da exploração do atávico nacionalismo russo, com o seu forte componente antiocidental, a peça de sustentação da sua liderança autocrática e grande popularidade. Resolvida a demonstrar que não toleraria qualquer intromissão na sua esfera de influência geopolítica, a Rússia invadiu no verão europeu do ano passado a Geórgia e reconheceu as suas províncias separatistas da Ossétia do Sul e da Abkházia, pagando para ver até onde iria a solidariedade de Washington com o governo aliado de Tbilisi. Não foi, nem poderia ir, além das palavras. Com a deterioração do relacionamento russo-americano, deixou de haver clima para a interlocução entre os dois países até sobre os temas de interesse recíproco. E foi por aí que Obama, inteligentemente, deu início ao prometido recomeço. Rompendo com uma inércia que datava dos anos Clinton e se converteu em imobilismo total na era Bush, ele se concentrou na questão dos acordos bilaterais sobre o controle dos respectivos arsenais nucleares. A importância dessa política é dupla. Para o mundo, sinaliza um compromisso vivo com a não-proliferação, que vem a calhar quando a Coreia do Norte pavoneia a sua bomba e o Irã cria as condições que lhe permitam produzi-la. Para os signatários, o controle compartilhado é um incentivo à distensão, confiança mútua e entendimento em diversas áreas, pelo simples fato de funcionar à base de programas de cooperação. Com o seu movimento nessa direção, Obama indicou a Moscou, antes de mais nada, que, à diferença de Bush, reconhece que, apesar do desmoronamento da URSS em 1991 e da falência da Rússia três anos depois, ela continua a ser uma superpotência atômica - uma verdade cuja reiteração o ego russo não se cansa de exigir. No ano passado, a Rússia tinha para pronto emprego pelo menos 3 mil armas nucleares estratégicas e mais de 2 mil consideradas não estratégicas. Os aterrorizantes estoques dos dois países somam cerca de 20 mil artefatos. O acordo prévio entre Obama e Medvedev se destina a atualizar o Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Start), assinado em 1991 e que expira em dezembro. O texto original previa a redução do total de ogivas de cada país para qualquer coisa entre 1.700 e 2.200 até 2012. Na nova versão, o número máximo cai para 1.675 até 2016. Os mísseis de longo alcance capazes de transportá-las, limitados pelo Start a 1.600, deverão ficar em algum ponto entre 500 e 1.100. Quanto mais não seja, é um bom negócio para ambas as partes em tempos de crise, pelos custos que a sua manutenção acarreta. Outro êxito para Obama foi a decisão do Kremlin de permitir a passagem sobre território russo de 4.500 voos americanos por ano com material bélico para as operações militares no Afeganistão. É a atitude mais firme já tomada por Moscou em apoio à guerra ao Taleban no país de onde, com ajuda americana, o mesmo Taleban expulsou o exército soviético em 1988.