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O inimigo interno

A pretexto de defender o interesse nacional, Trump tem complicado o bom funcionamento de um sistema internacional de concertação política e econômica

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Por Redação
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não tem perdido oportunidade de mostrar que é ele uma das maiores ameaças aos interesses americanos, e não supostas maquinações internacionais. A pretexto de defender o interesse nacional mundo afora pautado pela doutrina America First (“Os Estados Unidos em primeiro lugar”, em tradução livre), elaborada por sua equipe de marketing durante a campanha eleitoral de 2016, Donald Trump tem complicado o bom funcionamento de um sistema internacional de concertação política e econômica que foi concebido no pós-guerra, entre outras razões, justamente para defender os interesses dos Estados Unidos.

A primeira reunião de cúpula entre o presidente americano e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ocorrida em Helsinque na segunda-feira passada, foi o mais novo capítulo da ciranda de embaraços internacionais que têm marcado a política externa dos EUA sob Donald Trump. Durante a entrevista coletiva concedida pelos dois chefes de Estado após a reunião na capital finlandesa, ao ser questionado sobre a denunciada influência de agentes russos no resultado da eleição americana, Trump deu a entender que tem mais confiança no presidente russo do que nos órgãos de inteligência e investigação de seu país, como o Federal Bureau of Investigation (FBI). “Meu pessoal e alguns outros vieram até mim e disseram que pensam que foi a Rússia (quem interferiu na eleição americana)”, disse Trump, ao lado do colega russo. “Estou com o presidente Putin, ele simplesmente disse que não foi a Rússia. Eu vou dizer isso, não vejo nenhuma razão por que seria (a Rússia)”, concluiu, contrariando o resultado de investigações feitas pelo FBI que, por contrariá-lo, culminaram com a demissão do diretor do órgão James Comey, há pouco mais de um ano.

As declarações de Trump repercutiram muito mal em seu país. O presidente foi duramente criticado por quase todos os veículos de informação. Até a rede de TV Fox News, reconhecidamente simpática à sua administração, afirmou que Trump foi “engolido” por sua contraparte durante a cúpula de Helsinque. A declaração mais contundente partiu do senador John McCain. Republicano como o presidente, herói de guerra, ex-candidato à presidência dos EUA, McCain é um observador insuspeito, alguém em quem não se pode identificar um gesto ou palavra que atentem contra os interesses americanos. “A conferência de imprensa em Helsinque foi uma das mais vergonhosas performances de um presidente americano na História”, escreveu John McCain em um comunicado à imprensa.

A mente de Donald Trump é tão sui generis que, 24 horas após o encontro com Putin, admitiu o oposto à imprensa de seu país, ou seja, que “aceita as conclusões de que houve ingerência da Rússia nas eleições”, ainda que isso “não tenha influenciado o resultado”.

A inabilidade de Trump para construir relações frutíferas que, de fato, tragam benefícios substanciais para os EUA – um dos principais atributos esperados da política externa – o atrapalha até quando as suas demandas são justas. Basta lembrar o que ocorreu durante seu primeiro encontro com os líderes dos países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Bruxelas, na semana passada. 

Na ocasião, Trump cobrou dos aliados, em tom nada diplomático, maior participação financeira deles na composição do orçamento da Otan. De fato, apenas 5 dos 28 países-membros cumprem a meta de dotar, no mínimo, 2% do PIB de seus países à organização. A cobrança dos EUA é antiga e justa, mas se presidentes mais habilidosos do que Donald Trump não tiveram êxito antes dele, não há razões para esperar que o tom hostil da nova investida será bem-sucedido.

“Embora tenha sido uma grande reunião com a Otan, tive um encontro ainda melhor com Vladimir Putin, da Rússia. A imprensa de fake news está ficando louca”, escreveu Trump no Twitter. A única boa notícia, da qual não se pode desconfiar, é que Donald Trump é passageiro.