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O interesse público à frente

Deve-se sempre ter em boa conta que os Termos de Ajustamento de Conduta se prestam a reparar danos causados à sociedade e jamais podem servir como subterfúgio para amenizar a devida punição a eventuais abusos cometidos por empresas concessionárias de serviços públicos

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Por Redação
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O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que está em negociação entre a Telefônica/Vivo e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o primeiro acordo desta natureza envolvendo a empresa e o órgão regulador, deve ser visto com cautela.

A Telefônica/Vivo deve ao erário R$ 2,2 bilhões em multas por descumprimento de dispositivos do contrato de concessão. De acordo com o TAC ora em discussão, a tele poderá trocar o pagamento dessas multas por investimentos em infraestrutura de telecomunicações que totalizam R$ 5,4 bilhões, sendo R$ 3,8 bilhões para a instalação de rede de fibra ótica em 105 municípios e R$ 1,6 bilhão para os demais projetos, como a ampliação das áreas de cobertura 3G e 4G.

O TAC, como instrumento reparador de danos aos direitos coletivos, está previsto na Lei n.° 7.347/1985. Tem força de título executivo extrajudicial e pode ser firmado por todos os órgãos públicos que tenham legitimidade para propor ação civil pública, ou seja, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados e os municípios, além de autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista.

No final de setembro do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) liberou a Anatel para celebrar o TAC com a Telefônica/Vivo, desde que fossem observadas as mudanças determinadas pelo ministro Bruno Dantas, relator do caso no tribunal. Entre elas está a obrigação da Anatel de determinar não só os municípios a receber os investimentos, mas também a região do País.

As bases do TAC a ser assinado pela Telefônica/Vivo foram criticadas tanto por seus grandes concorrentes como por associações que representam pequenas empresas do setor de telecomunicações.

A tônica das críticas está no fato de que uma parte significativa dos investimentos que a Telefônica/Vivo se compromete a fazer será em áreas que já dispõem de tecnologia instalada por outras empresas, o que eliminaria a contrapartida social que a substituição das multas deveria representar. Vale dizer, a Telefônica/Vivo estaria fazendo uso comercial de dinheiro público para ampliar a sua presença naquelas áreas e acirrar a concorrência por meios indevidos.

Das 105 cidades designadas para receber investimentos da tele para a instalação de fibra ótica, 104 já possuem acesso à internet por meio de outras operadoras. Já em 2.879 dos 5.570 municípios brasileiros não há fibra ótica e o TAC poderia servir para levar a tecnologia para aquelas localidades.

Amélia Alves, ouvidora da Anatel, afirmou que a agência acatou todas as recomendações feitas pelo TCU e que, portanto, os dispositivos do TAC são regulares.

No final de dezembro, o presidente da agência reguladora, Juarez Quadros, esteve em audiência pública nas Comissões de Defesa do Consumidor e de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados e explicou aos parlamentares que “a Telefônica/Vivo está instalando o serviço de banda larga muito além da sua área de concessão”, o que, segundo ele, atestaria a contrapartida pública à remissão das multas.

Os acordos de ajustamento de conduta celebrados entre o poder público e as empresas são bons instrumentos para a reparação de danos coletivos, tanto por, em tese, serem mais ágeis do que longos processos judiciais como por servirem de parâmetro para fiscalizações futuras, fortalecendo, assim, as agências reguladoras.

No entanto, deve-se sempre ter em boa conta que os Termos de Ajustamento de Conduta se prestam a reparar danos causados à sociedade e jamais podem servir como subterfúgio para amenizar a devida punição a eventuais abusos cometidos por empresas concessionárias de serviços públicos, menos ainda como indutores de desenvolvimento empresarial indevido. Em cada uma de suas páginas, deve saltar aos olhos o interesse público.

O TCU, a quem cabe verificar se as determinações estão sendo cumpridas, deve ficar atento a isso.