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O irrealismo das cotas

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Por Redação
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As políticas de ação afirmativa começaram a ser adotadas no País após a entrada em vigor da Constituição de 88. Nas duas últimas décadas, essas políticas favoreceram diversos grupos sociais. Mas, a partir do momento em que passaram a ser usadas com objetivos demagógicos, sendo convertidas em leis e levando à proliferação dos sistemas de cotas, elas se desfiguraram e passaram a acarretar os mais variados problemas.O caso da Lei n.º 8.213/91, que obrigou as empresas a terem um contingente de pessoas "portadoras de necessidades especiais" em seu quadro de funcionários, é exemplar. A lei determina que as empresas que têm de 100 a 200 empregados são obrigadas a reservar 2% das vagas para pessoas com deficiência visual, auditiva, física ou mental. Para as empresas que têm de 201 a 500 empregados, a cota é de 3%. Para as que têm de 501 a 1.000 funcionários, a cota sobe para 4%. E para as empresas com mais de 1.001 empregados, a cota é de 5%. Pela Lei as empresas só podem dispensar um trabalhador portador de necessidades especiais, depois de contratar outro deficiente para seu lugar, sob pena de ter de readmitir o demitido e de pagar a ele todos os salários relativos ao período em que não houve a contratação de outro empregado em condições semelhantes. Quando a Lei entrou em vigor, seus defensores alegaram que a imposição de cota de trabalhadores deficientes, além de promover justiça social, traria vantagens corporativas para as empresas, e melhoraria a sua imagem perante o mercado. A ideia é que os portadores de deficiência ajudariam a melhorar o ambiente de trabalho, levando os consumidores a ver as empresas como organizações que não visam apenas ao lucro, mas que atuam com responsabilidade social. Os fatos, contudo, não aconteceram como os defensores da Lei previam. Em várias cidades não há no mercado de trabalho local e regional portadores de deficiência em número suficiente para que as empresas possam preencher suas cotas. Em muitas cidades surgiram intermediários de mão de obra de deficientes, que cobravam dos empregadores comissão para cada portador de necessidade especial contratado, convertendo a política de ação afirmativa em negócio. Em algumas atividades econômicas, não há trabalhadores deficientes qualificados para atender às necessidades de todas as empresas do País. Nas atividades-fim de empresas de metalurgia, transportes, saúde e vigilância, não há como empregar deficientes. "Como uma empresa de transportes pode colocar um deficiente dirigindo um caminhão", pergunta Sylvio de Barros, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "Como vamos preencher as vagas se não há enfermeiros portadores de deficiência disponíveis?", indaga, em nota, a diretoria do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Apesar disso, muitas empresas continuam sendo multadas por fiscais trabalhistas e acionadas judicialmente pelo Ministério Público do Trabalho, por não preencherem as cotas impostas pela Lei n.º 8.213. Isso as tem obrigado a gastar com advogados, a financiar programas especiais de treinamento no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e até a fazer doações, o que encarece seus custos de produção. "Quando se verifica a incapacidade de preencher a cota podemos converter a obrigação de contratar em benefícios a pessoas com deficiências, como criar escolas para esse público ou realizar doações", diz a procuradora trabalhista Renata Coelho Vieira. Enquanto a iniciativa privada enfrenta problemas para atender às exigências de uma lei irrealista, a Câmara analisa o Projeto de Lei n.º 2.973, do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que amplia ainda mais as cotas de deficientes a serem contratados, impondo-as, inclusive, para as empresas com 30 empregados. O objetivo do projeto, segundo seu autor, é reduzir o "preconceito" contra portadores de deficiência. Iniciativas como essas desmoralizam as políticas de ação afirmativa no País.