Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O lixo dos outros

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

A recente interceptação no Porto de Rio Grande de um contêiner com 22 toneladas de lixo, proveniente da Alemanha, é preocupante porque está longe de ser um caso isolado. Somente no ano passado, 1,4 mil toneladas de lixo embarcadas na Grã-Bretanha foram detectadas em Santos, em Rio Grande e no porto seco de Caxias do Sul. Isso é mais do que suficiente para soar um alerta. Crescem as evidências de que o Brasil está hoje entre os destinos para o descarte de lixo internacional, o que exige uma enérgica reação das nossas autoridades. O tráfico ilegal de lixo dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento transformou-se em um lucrativo negócio, operado por quadrilhas internacionais. Segundo o diretor de qualidade do Ibama, Fernando Marques, os envolvidos na importação de lixo flagrada em Rio Grande tinham a intenção de "testar" a inspeção portuária brasileira. Felizmente, a ação do Ibama, em conjunto com a Receita Federal, funcionou bem nesse caso. Sem desmerecer esse trabalho, é de supor que outras toneladas de resíduos sólidos, rejeitos, matéria orgânica e, presumivelmente, material pesado tenham entrado no País, de forma disfarçada, em outros terminais em que a fiscalização é menos rigorosa. O órgão impôs uma multa de R$ 1,5 milhão à transportadora sul-coreana Hanjin Shipping e deu-lhe um prazo de dez dias para devolver o material à sua origem. Mas a empresa não foi proibida de operar em portos brasileiros. A Recoplast, a importadora, recebeu multa de R$ 400 mil, mas, segundo seu advogado, recorrerá da decisão, sob a alegação de que foi lesada pelos exportadores, aos quais teria encomendado aparas de polímeros de etileno para reciclagem. Assinale-se, a propósito, que ambientalistas contestam a necessidade de importar material para reciclagem, do qual existe oferta abundante no País. Faz-se necessária, portanto, uma acurada investigação aqui e na Alemanha, com a colaboração de seus órgãos de defesa do meio ambiente, bem como da Interpol, que recentemente passou a se ocupar dessa questão.No contêiner aprendido, foram encontradas embalagens de produtos de limpeza usadas, fraldas descartadas, rações e alimentos em decomposição e matéria orgânica diversa, reforçando a hipótese de ser este, de fato, um teste dos traficantes para verificar se era possível tornar regular, sem maiores riscos, essa prática criminosa. Segundo estudo da organização suíça International Relations and Security Network (ISN), o principal foco do negócio ilegal de transporte internacional de lixo está hoje nos componentes tóxicos de computadores obsoletos, telefones celulares e aparelhos eletrônicos diversos, dos quais os países desenvolvidos querem se ver livres, não só por causa da limitada capacidade para lhes dar destino final em seu território, como pelo alto custo disso.As grandes vítimas do tráfico de lixo tóxico são os países da África Ocidental e Oriental, que têm sido "envenenados", com graves danos ao meio ambiente e à saúde humana, por montanhas desses rejeitos, transportados por organizações criminosas mancomunadas com políticos corruptos e empresas inescrupulosas. Com os problemas sanitários e ambientais que o Brasil já tem, agravados pelas deficiências de tratamento e disposição final do lixo, as nossas autoridades têm o dever de adotar medidas rigorosas nos portos para impedir esse tipo de importação. Ela é proibida, mesmo para reciclagem, pela lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, recentemente sancionada.Segundo se noticiou, o governo brasileiro pode levar o caso do lixo importado a instâncias internacionais, por claro desrespeito à Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transnacionais de Resíduos Perigosos, firmada em 1987 e que entrou em vigor em 1992, da qual o Brasil e a Alemanha são signatários. Por esse protocolo, a responsabilidade pelo transporte de lixo, sem autorização prévia do país importador, cabe ao país exportador, que poderia ser objeto de uma queixa ou representação formal.