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O lugar da Defensoria Pública

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Por Redação
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Uma ação direta de inconstitucionalidade, proposta no início do mês pela Advocacia-Geral da União (AGU), questiona a autonomia funcional e administrativa das Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal concedida pela Emenda Constitucional 74/2013. Segundo a AGU, essa emenda é inconstitucional por ter sido proposta pelo Congresso Nacional, e não pela Presidência da República.A questão de quem poderia propor uma emenda com esse teor remete ao lugar institucional da Defensoria Pública da União. Ela é um órgão do governo federal e a Constituição assegura que "as leis que disponham sobre servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria" são de competência exclusiva da Presidência da República. Dessa forma, o Congresso Nacional - ao conceder a autonomia funcional e administrativa às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal - feriu o princípio da separação dos Poderes.A Defensoria Pública da União foi criada em 1985 como um órgão subordinado ao Ministério da Justiça, ou seja, vinculado ao Poder Executivo. É certo que a Constituição de 1988 reconheceu a sua relevância social e institucional, dando-lhe o status de "instituição essencial à função jurisdicional do Estado". No entanto, o texto constitucional de 1988 não alterou a configuração da Defensoria Pública da União como órgão do Poder Executivo.Também as quatro emendas constitucionais - que alteraram o teor original da Constituição a respeito das Defensorias Públicas, tanto as Estaduais quanto as da União e do Distrito Federal - não alteraram o seu lugar institucional. As defensorias públicas permaneceram como órgãos do Poder Executivo.Observa-se - tanto na Constituição de 1988 quanto nas emendas constitucionais - uma vontade deliberada de tornar cada vez mais efetivas as Defensorias Públicas, pois elas prestam um serviço de fundamental importância ao prover assessoria jurídica aos mais necessitados. No entanto, observa-se também a vontade deliberada de manter o seu local institucional original, como órgão do Poder Executivo.A manutenção do seu lugar institucional original não significa qualquer menosprezo pela Defensoria Pública. Ao contrário, é um meio para que ela se mantenha focalizada em sua tarefa constitucional de prestar assessoria jurídica aos mais necessitados. Ela não é um Ministério Público paralelo ou um Ministério Público dos mais necessitados. Competência concorrente entre diferentes órgãos é deficiência do sistema, e não meio de eficácia.Não tem sido infrequente apresentar uma falsa disjuntiva quando se discute a autonomia das Defensorias Públicas. Ou autonomia ou ineficácia. Ou autonomia ou os mais necessitados ficarão desprotegidos. Colocar a questão nesses termos é um equívoco. A autonomia de um órgão deve ser exceção, já que acarreta um sério risco institucional, pois significa atribuir poder a determinados órgãos e pessoas sem a correspondente responsabilidade. É uma ingenuidade considerar a autonomia como o único caminho para assegurar eficácia, como se fosse a panaceia para todos os males.É um perene desafio aumentar a eficácia dos órgãos públicos. E a busca por aperfeiçoar cada vez mais o desenho institucional do poder público é um dos meios para alcançar essa maior eficiência. No entanto, nos últimos anos, tem-se visto com frequência no Brasil um grave sofisma. Como se a funcionalidade - o desafio por melhorar a eficácia do poder público - estivesse acima de tudo, justificando, inclusive, qualquer interpretação da Constituição. Tal sofisma nada mais é do que uma versão do perigoso postulado de que os fins justificam os meios.A busca pela eficiência deve sempre respeitar a Constituição. Afinal, está-se buscando a eficiência institucional, e não a eficiência inconstitucional. Nesse sentido, deve-se olhar com atenção para o que a AGU sustenta: em razão do modo pelo qual foi proposta, a Emenda Constitucional 74/2013 feriu o princípio da separação de Poderes. E isso não é coisa boa.