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O mal que Cunha faz

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Por Redação
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O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff seguirá seu curso estritamente conforme o que está previsto na Constituição e na forma estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, quem quer que questione a legitimidade desse rito estará, em última análise, questionando as instituições democráticas, arguindo não serem suficientes as evidências de crimes de responsabilidade por parte da presidente e sugerindo que o Judiciário e o Legislativo estão mancomunados numa terrível conspiração das “elites” para perseguir o PT e a chefe do Executivo. Mas essa fajuta estratégia de vitimização, não obstante sua evidente impostura, tem alguma chance de prosperar porque o condutor do processo de impeachment na Câmara é, neste momento, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O presidente da Câmara é o inimigo dos sonhos de Dilma. Diante de robustas provas de que Cunha usufruiu do propinoduto da Petrobrás e cometeu perjúrio ao negar a uma Comissão Parlamentar de Inquérito a titularidade de contas no exterior, não deveria restar alternativa ao Congresso senão proceder ao imediato afastamento do deputado do comando da Câmara e à sua posterior cassação, tantas foram as ofensas ao decoro legislativo. No entanto, Eduardo Cunha, mestre na arte de explorar os meandros do regimento da Câmara, vem conseguindo protelar o desenlace de seu processo, mantendo-se dessa forma como o maestro do requiem de Dilma, mesmo sendo réu no Supremo Tribunal Federal — o que dá aos desesperados militantes petistas a deixa ideal para tentar desmoralizar o impeachment.

A última manobra de Cunha foi tentar alterar a composição do Conselho de Ética, responsável por julgar seu caso. A Mesa Diretora da Câmara aprovou um projeto de resolução segundo o qual os deputados que mudaram de legenda no recente troca-troca partidário devem ser substituídos nas comissões que integram. Se aplicada ao Conselho de Ética, a nova norma afastaria ao menos três deputados favoráveis à cassação de Cunha. Como sempre, ele negou ter agido de má-fé, mas, pilhado em mais uma de suas traquinagens, mandou mudar a resolução, tornando intocável o Conselho de Ética.

Eduardo Cunha mostra assim que ainda tem muitas cartas na manga. O processo contra o peemedebista no Conselho de Ética foi instaurado no distante dia 3 de novembro e sofreu desde então sucessivos atrasos e contratempos em razão da destreza de Cunha. Aberto um mês depois, o processo contra Dilma caminha de maneira muito mais célere, porque o presidente da Câmara está convocando sessões plenárias às segundas e sextas-feiras – dias em que normalmente os parlamentares nem ficam em Brasília – para apertar o passo da tramitação.

O deputado Betinho Gomes (PE), vice-líder do PSDB na Câmara, resumiu os efeitos deletérios das sucessivas manobras de Cunha, ao dizer que a Casa está “sob o risco de se desmoralizar perante a opinião pública que acompanha cada passo do Congresso Nacional”. Se continuar à mercê de Cunha e de suas artimanhas, aprendidas no submundo da baixa política, a Câmara será vista como mero instrumento nas mãos do deputado para vingar-se de Dilma.

Como o julgamento de Dilma no Congresso é eminentemente político, mas não pode haver sobre seu encaminhamento a mais remota sombra de ilegitimidade, os apoiadores da presidente se utilizam do protagonismo de Cunha para lançar dúvidas inaceitáveis sobre a condução do processo. Junte-se a isso o fato de que o outro parlamentar decisivo para a continuidade do processo de impeachment, o presidente do Senado, Renan Calheiros, tem contra si nada menos que nove inquéritos por suspeita de grossa corrupção.

Assim, cabe às forças políticas verdadeiramente interessadas preservar a democracia e seus institutos agir o mais rápido possível para resgatar a imagem do Congresso e garantir que seus atos – especialmente os de imensa gravidade, como o impeachment da presidente – sejam aceitos como expressão genuína da vontade do povo