
19 de abril de 2013 | 02h09
Do confronto dessas duas visões inconciliáveis do papel dos policiais surgiu a política de direitos humanos vigente até hoje. No começo as duas facções se digladiavam de forma apaixonada e radical. Lembro-me de que o pessoal ligado aos direitos humanos - que então controlava a Secretaria de Justiça - chegou a propor, com grande alarde, a criação de "conselhos de presos" que deveriam gerir paritariamente os destinos dos presídios. A grita social foi imensa, o que levou o governador a voltar atrás. De qualquer forma os detentos, com isso, adquiriram uma noção da própria força. O que viria a gerar graves consequências no futuro próximo. Apesar de ter recuado na questão dos conselhos, o governo do Estado manteve sua política de leniência em relação aos criminosos. Bandidos não podiam mais ser "judiados" nas cadeias. Policiais que desobedecessem a essas normas passaram a ser severamente punidos. Criou-se assim um clima de confusão ideológica: os policiais, que haviam sido treinados para agir de uma determinada forma, foram coagidos a agir de outra. O que era o bandido, afinal? Um inimigo da sociedade ou apenas uma vítima dela?
Essa ambiguidade foi crescendo e tomou conta de todo o sistema prisional. Já em 1983, logo após a posse do Montoro, foi criado pelos detentos um grupo chamado Falange Vermelha. A Falange foi a mãe de todas as organizações criminosas que surgiram depois. O governo do Estado adotou, então, a política de simplesmente negar, contra todas as evidências, a existência da Falange. Dizia que isso não passava de invencionice da imprensa. O auge da ação dessas organizações criminosas se deu em 2006, com uma revolta histórica e sangrenta da população de detentos.
Só a partir daí o governo estadual começou a levar a sério a existência desses grupos. Dentre eles se destacavam o PCC, em São Paulo, e o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro. E eram realmente perigosos. Tinham armamento pesado - que adquiriam em troca de tóxicos - e disciplina férrea. A única punição prevista para os meliantes que transgredissem suas regras era a pena de morte. Se possível, da forma mais cruel. Tornaram-se comuns os confrontos da polícia com os bandidos, com dezenas de mortes. Consta que no Rio o problema se tornou ainda mais grave em razão de um suposto acordo entre o então governador Leonel Brizola e a bandidagem. Teria sido estabelecido, à época, que "os bandidos não descem o morro e a polícia não sobe".
Não se sabe se tal acordo ocorreu mesmo, mas o fato é que a política de coexistência pacífica teve resultados desastrosos: bandidos e policiais passaram a conviver de forma fraternal e a criminalidade se multiplicou. Mesmo com a atual política de UPPs não há garantias de que a situação se reverta. E isso as vésperas de eventos internacionais como a Copa do Mundo de Futebol e a Olimpíada.
Já em São Paulo, o clima de confronto vem se acirrando. O governador Geraldo Alckmin adotou uma política inteligente de afastar os criminosos mais perigosos dos centros urbanos. Mas até agora não foi possível mensurar os resultados.
O que foi chamado de "massacre do Carandiru", apesar do enorme número de vítimas, foi apenas mais um capítulo da guerra aberta que se estabeleceu entre policiais e detentos. O Carandiru era um imenso presídio com capacidade para, no mínimo, 8 mil detentos. Não existe no mundo uma prisão de tamanho igual. O Carandiru era, por si só, um tremendo equívoco. Como administrar uma população carcerária dessa magnitude? Na verdade, o Carandiru fora construído para abrigar um número de detentos muito menor. Acontece que através do tempo a demanda de vagas se foi acumulando e todos os governos optaram por inflar a capacidade, em vez de construir novas cadeias. A situação acabou se tornando insuportável. A rebelião de 2 de outubro de 1992 foi, assim, uma tragédia anunciada e a data escolhida coincidiu com a véspera de eleições municipais.
É difícil apurar as responsabilidades, uma vez que o julgamento ainda está em curso. A acusação vale-se do termo "massacre" e atribui todas as culpas aos policiais. Por outro lado, quem conhece ou conheceu policiais envolvidos na operação ouve deles que a situação era incontornável. Existem relatos de que muitos detentos armaram lanças em cujas pontas havia sangue contaminado com o vírus HIV.
De qualquer forma, não há o que justifique tamanha quantidade de mortos. Muitas das vítimas foram mortas em "posição de execução". Outras teriam sido massacradas depois de se haverem rendido.
Entre a população as opiniões se dividem, com semelhantes graus de intensidade. Há quem considere massacres desse quilate inadmissíveis, como há também quem tenha apoiado o comandante da Rota naquela ocasião, coronel Ubiratan Guimarães - que, aliás, foi eleito deputado estadual por duas vezes.
E você, prezado leitor, qual é a sua opinião?
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