
23 de agosto de 2010 | 00h00
Vale lembrar ao leitor que o que no jargão dos economistas é conhecido como o Produto Interno Bruto (PIB) nada mais é do que a soma do consumo (C) com a formação bruta de capital, equivalente ao investimento (I), se deixarmos de lado a variação de estoques; e com o resultado líquido (R) das transações reais com o exterior, ou seja, a diferença entre as exportações e importações de bens e serviços.
Em termos absolutos é possível que, no contexto de uma economia em expansão, todas as variáveis cresçam ao mesmo tempo, elevando tanto o consumo como o investimento e o resultado das exportações deduzido do valor das importações. Mas, em termos relativos, aumentar todas as frações do valor do produto ao mesmo tempo é uma impossibilidade matemática. Em outras palavras, nessa identidade das contas nacionais (PIB = C + I + R), o peso relativo dos componentes à direita do sinal de igualdade não pode aumentar em todos os casos, pois a soma das partes não pode ser maior que o todo: na composição da economia, se a parcela representada pelo peso de uma variável em relação ao total tiver de aumentar, outra deverá diminuir.
Eis onde reside o dilema posto ao País no futuro próximo. Note-se que todo o discurso de exaltação do momento favorável que o País vive é de que "enfim a população está podendo consumir", dando a entender que o consumo continuará a ser devidamente "turbinado", pelo fato de isso ser parte integrante do DNA do modelo vigente (nos últimos cinco anos, enquanto o PIB teve um aumento acumulado de 19%, o consumo familiar se expandiu a uma taxa bem maior, de 30%). Ao mesmo tempo, 10 entre 10 economistas defendem o aumento da taxa de investimento. Finalmente, os riscos de que o País conserve a atual trajetória de deterioração das contas externas saltam aos olhos, e é de bom tom reverter essa trajetória, ou seja, aumentar o resultado, expresso como fração do PIB, da diferença entre exportações e importações (ou ao menos evitar que ela continue tendo uma trajetória de piora recente).
O conflito entre objetivos diferentes se resolveu de maneira diversa em diferentes situações da história do País. Por exemplo, a taxa de investimento, que em 1966 tinha atingido um mínimo de 16% do PIB, chegou a 24% do PIB no final da década de 70, ao custo de que o saldo de transações reais com o exterior, que era positivo em 1% do PIB em 1966, se tornasse negativo em 2% do PIB quase 15 anos depois, e de que o consumo total caísse de 81% para 79% do PIB nesse período. Já na crise dos anos 80 o País se ajustou, com o citado saldo externo passando de negativo em 1% do PIB, em 1982, para positivo em 6% do PIB, em 1984, mas com uma queda dramática do investimento de 23% para 19% do PIB no período, acompanhada ainda de uma perda de peso do consumo.
O problema que se coloca no momento, e na perspectiva dos próximos anos, não é difícil de entender: não é possível conseguir tudo ao mesmo tempo. Pode-se aumentar o consumo a taxas superiores ao PIB, como nos últimos anos, mas reduzindo o peso do investimento ou ao custo de uma piora das contas externas. Da mesma forma, faz sentido ampliar a taxa de investimento, mas neste caso o consumo terá de diminuir seu peso no PIB ou as importações crescerem mais que as exportações. Finalmente, é razoável melhorar o resultado do setor externo, mas só se a soma de consumo e investimento crescer menos. O que não dá para conseguir é que todas as rubricas aumentem seu peso em relação ao PIB.
A questão é como fazer para que o País eleve a taxa de investimento até os almejados 22% ou 23% do PIB. Nesse sentido, é útil olhar para o que ocorreu em outras duas ocasiões recentes em que o País passou por momentos de aumento do investimento: em 2000 o PIB cresceu 4,3%, a taxa de investimento aumentou 1,1% do PIB e a poupança doméstica se elevou em 1,9% do PIB, graças a um crescimento do consumo de 3%, inferior ao do PIB. Já em 2004, o PIB cresceu 5,7%, a taxa de investimento do País elevou-se em 0,8% do PIB e a poupança doméstica aumentou 2,5% do PIB, em virtude do consumo total ter crescido 3,9%, também abaixo do PIB. Para que o investimento aumente, sem pôr em risco as conquistas alcançadas na atual década no setor externo, é preciso implementar uma mudança no padrão de crescimento, agora com uma expansão mais moderada do consumo. Ao formular planos para os próximos anos, é importante levar em conta essa perspectiva.
ECONOMISTA, É AUTOR DE "REFORMA DA PREVIDÊNCIA" (ED. CAMPUS)
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