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O MP e a greve dos caminhoneiros

Ministério Público abrirá investigações para apurar crimes de Segurança Nacional em quatro Estados

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Por Redação
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Por iniciativa de sua Câmara Criminal, a Procuradoria-Geral da República (PGR) determinou às unidades do Ministério Público Federal em quatro Estados – São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Goiás – a abertura de investigações para apurar dois crimes previstos pela Lei de Segurança Nacional por cidadãos, empresas e entidades sindicais que teriam se envolvido na greve dos caminhoneiros com objetivos políticos, pedindo intervenção militar.

O primeiro crime foi o de incitar a desobediência civil, usar a violência e promover graves ameaças para afrontar o regime democrático vigente e o Estado de Direito. O segundo foi o de incitar a subversão da ordem política, desafiar os poderes instituídos e provocar animosidade nas Forças Armadas. A Câmara Criminal da PGR quer saber quais foram as empresas do setor de transportes que apoiaram os grevistas e identificar os infiltrados que teriam estimulado incêndio de caminhões e postaram vídeos nas redes sociais, pregando a deposição do presidente da República e insuflando um golpe militar. A PGR também quer identificar quem estimulou a greve dos caminhoneiros com o objetivo de ganhar visibilidade na mídia para disputar cargo eletivo em outubro. Dependendo do que for apurado nas investigações, a PGR poderá abrir um inquérito criminal no prazo de 30 dias.

A iniciativa da Câmara Criminal da PGR é uma resposta aos caminhoneiros que afrontaram as instituições, aproveitando-se de uma crise de abastecimento que desorganizou quase todas as cadeias de produção da economia. O que chama a atenção, no entanto, é que essa iniciativa foi anunciada mais de uma semana após o início do bloqueio das estradas para interromper o transporte de cargas, o que é crime. Para uma instituição integrada por procuradores que, arvorando-se em consciência moral da Nação, desenvolvem cruzadas contra o que julgam ir contra suas convicções moralistas, políticas e ideológicas, julgando e condenando à execração pública cidadãos e empresas, sem reunir provas que os tribunais considerem cabais, a lentidão demonstrada pela PGR nesse caso causou uma surpresa negativa. Se tivessem agido com determinação assim que começou a paralisação dos transportes nas rodovias federais e estaduais, com base tanto no Código Penal como na violação de direitos difusos – que tanto gostam de invocar –, a greve poderia ter tido um final prematuro. 

A mesma morosidade marcou a atuação dos Ministérios Públicos dos Estados. Com base na legislação de defesa dos direitos do consumidor, as promotorias estaduais deflagraram investigações para identificar práticas abusivas de preços causadas pela crise de abastecimento de combustíveis e alimentos, e que podem resultar em ações civis públicas impetradas com o objetivo de impor ressarcimento por dano moral coletivo e sanções administrativas. A iniciativa foi importante, não há dúvida, mas as promotorias estaduais de defesa do consumidor só a anunciaram uma semana depois do início da greve, quando o caos já estava instalado. Além disso, associações de promotores divulgaram notas ambíguas, explicando que, apesar de terem pedido às promotorias que ficassem atentas “a condutas oportunistas do setor de revendas de combustíveis”, elas não eram contrárias à paralisação dos caminhoneiros.

Mais uma vez, para quem imagina ter o poder de dirigir o País, fundamentando suas iniciativas em princípios jurídicos vagos ou indeterminados, como dos direitos difusos ou dos valores sociais do trabalho, os promotores tiveram um comportamento tíbio. Pela Constituição, o Ministério Público é “uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais indisponíveis”. Os membros dessa instituição sempre atribuíram a si próprios uma aura de infalibilidade no exercício de suas prerrogativas. Sua atuação na greve dos caminhoneiros, contudo, mostrou o quão equivocada é essa pretensão.