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Opinião|O mundo se transforma e as cidades querem mudar

'A ênfase agora é na reforma urbana, até mesmo usando legislação ambiental mais dura'

Atualização:

O noticiário das últimas semanas deu ênfase ao problema de tornados e tempestades que atingiram o sul e o centro dos Estados Unidos e deixaram mais de 40 mortos em áreas urbanas – entre eles, motoristas de automóveis envolvidos por tornados (Efe, 29/12). Parece haver certa inflexão nos textos, que raramente cuidavam dos efeitos dos chamados fenômenos climáticos nas cidades.

Mais surpreendente ainda tem sido o noticiário sobre a China e sobre Pequim. Johanna Nublat escreve (Folha de S.Paulo, 27/12) que se prepara ali uma reforma urbana ampla, que tem como um dos objetivos centrais dispersar a população às voltas com poluição, trânsito caótico e muito tempo gasto nos deslocamentos para o trabalho. Em novembro, a capital viu-se por três vezes envolvida por uma neblina “espessa e fétida”. Pela primeira vez, foi emitido um “alerta laranja” para a população, quando a concentração de partículas sólidas no ar estava 20 vezes maior que o máximo admitido pela Organização Mundial de Saúde.

Por isso tudo, o projeto é deslocar do centro para subúrbios – até 40 quilômetros de distância – parte das atividades administrativas, atacadistas, indústrias, reciclagem, entre outras, além das residências de 400 mil pessoas. Com isso, espera-se que a população, hoje em 21,5 milhões, se estabilize em 23 milhões até 2020. E se possa mudar a condição de vida de parte dos 60% da população total de 1,3 bilhão de pessoas que vivem em áreas urbanas. Inclusive muitos “cubículos subterrâneos”, cujos moradores são apelidados de “tribo dos ratos”. 

Também no nordeste do país, há poucas semanas, quase 50 cidades emitiram o mesmo alerta à população. E esta pede legislação mais severa na área ambiental (Estado, 21/8). Tangshan, a 200 quilômetros da capital, que produz mais aço que os Estados Unidos, já se comprometeu a reduzir em 20% até 2017 a poluição do ar; quatro siderúrgicas já fecharam.

A ênfase agora é na reforma urbana, até mesmo usando legislação ambiental mais dura. Para evitar também eventos como o da província de Guangdong, onde um desmoronamento matou algumas pessoas e outras dezenas estavam desaparecidas – concluiu-se que por falta de fiscalização há quase um ano numa obra com acúmulo de entulhos. Fiscalização deficiente como a nossa em tantos lugares, onde empresas não cumprem as exigências – como no recente desastre de Mariana.

Na China há, porém, um fator específico que pressiona pela reforma urbana: a decisão do Partido Comunista (30/10) de abolir a “política do filho único” (Estado, 2/11), que vigorava desde 1979, com o objetivo de “conter a explosão demográfica”, e levou a um forte envelhecimento médio da população, com reflexos na força de trabalho. Hoje, com população total de 1,3 bilhão, o país espera um aumento maior da população do que vinha acontecendo – a política do filho único teria evitado, segundo o governo, o nascimento de 400 milhões de chineses, ao lado do aumento da população de idosos na população total e da “falta de mulheres”.

A necessidade de reforma urbana vai-se espalhando pelo mundo, com ênfase em vários ângulos, dependendo do lugar. Até em Oslo, capital da Suécia, pretende-se eliminar em quatro anos a presença de veículos particulares do centro da cidade e ampliar as pistas para bicicletas e o número de coletivos – tudo isso embora apenas mil pessoas morem no centro. Paris e outras capitais europeias têm compromisso de reduzir a emissão de poluentes para a atmosfera em 50% até 2020.

A própria crise de hoje acentua a pressão pela realização de reformas, para enfrentar a desaceleração do crescimento econômico, a redução da força de trabalho e a necessidade de repensar as cidades e caminhar para a desconcentração – e também para reduzir os danos causados por “eventos climáticos extremos”, inundações urbanas, alta poluição do ar e seus reflexos na saúde. 

Como poderiam ficar de fora cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e tantas outras? Principalmente a capital paulista, com 39 cidades na região metropolitana, 43,7 milhões de deslocamentos diários? Ou a cidade de Santos, que se prepara para o “avanço do mar” (Estado, 27/12), já que “com as mudanças climáticas o oceano subirá de 45 a 80 centímetros sobre as praias”. Em diversos pontos “invadirá periodicamente 25% da área urbana” – além de tornar inviável “a operação no maior porto do Brasil”.

Prefeitura e comunidade científica “já começam a traçar planos”, tais como aumento artificial da extensão de areia nas praias; construção de dois molhes de 5 quilômetros a partir da praia para confinar a maré e desobstruir o estuário; muro de proteção ao longo de 1,8 quilômetro da costa; recuperação de mangues; elevação da borda do cais; expansão “offshore do porto”; remoção dos jardins nas praias e implantação de dunas – entre outras. 

E não só “desastres climáticos” exigem mudanças, também construções humanas. Balneário Camboriú, em Santa Catarina, está às voltas (embora não tenha mais de 128 mil habitantes) com pedidos de licenciamento para edifícios de 45 andares, quando os já existentes produzem sombra sobre a praia e obrigaram a obras para ampliar a faixa de areia – a maior atração da cidade. Joinville também leva a efeito um plano de “caminhabilidade urbana”, com projetos para 600 quilômetros de ciclovias (Mobilize Brasil, outubro), numa cidade com menos de 1.800 quilômetros de outras vias.

Nesse contexto todo, por que estranhar que hidrólogos canadenses, norte-americanos e alemães estejam fazendo “o primeiro mapa-múndi da água subterrânea no planeta”? Já concluíram que estamos usando com excessiva rapidez os recursos, ainda mais que nos dois quilômetros abaixo da superfície terrestre menos de 6% conseguem renovar-se no tempo médio de vida de um ser humano”. Devagar com o andor, recomendam (Geodireito, 23/11).

WASHINGTON NOVAES É JORNALISTA, E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR