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O novo espectro europeu

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Por Redação
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A mais controvertida contribuição da Suíça à governança das nações - a rotineira adoção de políticas de Estado por meio de plebiscitos, à revelia do Legislativo e dos governos de turno - acaba de produzir um abalo nas relações entre a Confederação Helvética e a União Europeia (UE) da qual não faz parte, mas dela se beneficia. No dia 9, os suíços aprovaram uma proposta do Partido do Povo Suíço, de extrema direita, que restabelece o sistema de cotas para imigrantes europeus, abolido em 2002. O "sim" recebeu 50,3% dos votos. Em números reais, a perversão da democracia direta, por seu uso excessivo, fica ainda mais clara: o projeto passou com irrisórios 19 mil votos de diferença, em 2,9 milhões depositados. O país tem cerca de 6 milhões de eleitores e 8 milhões de habitantes.A restrição - que o governo de Berna tem três anos para implantar - foi justificada pelos proponentes com o argumento de que os estrangeiros (pouco mais de 20% da população) tiram empregos dos suíços de nascença. É uma alegação esburacada como um emental. O desemprego no país se mantém estável em 3% desde 2002.A verdade estava nos pôsteres com que a ultradireita assediou os suíços durante a campanha. Sob a imagem de uma mulher com véu islâmico, vinha a pergunta: "1 milhão de muçulmanos em breve?". O plebiscito, portanto, "tinha pouco que ver com a realidade", observou a comissária de Justiça da UE, Viviane Reding, ao criticar o debate "emocional e populista" que o precedeu. Para chamar as coisas pelos nomes, a consulta foi um ato de preconceito e xenofobia. Tanto que a proposta fixa um teto para o número de familiares dos estrangeiros autorizados a trabalhar na Confederação - uma forma de "contenção étnica". Já o resultado representa um endosso à demanda por uma transgressão.Em 1992, um referendo barrou a adesão da Suíça ao bloco europeu. Mas, 17 anos depois, o país foi um dos signatários do Tratado de Schengen, que instituiu a livre circulação de pessoas e mercadorias entre 22 membros da UE e 3 outros não membros. Ironicamente, foram os suíços que se bateram pela inclusão, no documento, da cláusula do livre-comércio. As exportações suíças para os 28 integrantes da União representam 56% do total. As importações, 74%.O empresariado suíço, incluindo os controladores das megamultinacionais de alimentos e remédios, temia o plebiscito. Essas empresas tendem a empregar uma proporção de estrangeiros maior do que a média nacional - e não consta que o façam por espírito humanitário. O governo também se opôs. A ministra da Justiça, Simonetta Sommaruga, alertou para as "consequências profundas" da votação - as possíveis represálias comerciais de vizinhos como a Itália, a França e a Alemanha.O pior é que não se trata de um raio em céu azul. Os suíços, ainda que por ínfima maioria, acabam de engrossar a onda xenófoba que se ergue na Europa em crise econômica e desemprego. Mesmo onde a recuperação é vigorosa, como no Reino Unido, a direita empurra o governo da coalizão conservadora-liberal do primeiro-ministro David Cameron para o antieuropeísmo e a criação de barreiras permanentes à imigração.O partido nacionalista Ukip, de Nigel Farage, prevê conquistar 25% dos votos britânicos para o Parlamento Europeu a ser eleito em maio. Na França, a Frente Nacional, de Marine Le Pen, espera outro tanto, com a diferença de que, neste caso, será o mais votado do país. "O país é a nossa casa", disse Marine do plebiscito suíço. "Nós, o povo, temos o direito de dizer quem entra nela." O holandês Geert Wilders, do Partido para a Liberdade, da mesma família, diz que não quer ser confundido "com os grupos errados da direita fascista", mas confessa "odiar" o Islã. Na Áustria, o Partido da Liberdade, de Heinz-Christian Strache (20% dos votos nas eleições de setembro passado), saudou os números do outro lado dos Alpes. "A maioria dos austríacos também defende limites à imigração." A xenofobia é a versão atual do espectro revolucionário que em meados do século 19 Marx dizia rondar a Europa.