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O pantanal do Afeganistão

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Por Redação
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A anunciada substituição do comandante-chefe das forças americanas e suas aliadas no Afeganistão, general David McKiernan, há 11 meses apenas no posto, atesta - como se necessário fosse - a crescente deterioração da guerra de sete anos que os Estados Unidos movem ao eixo Al Qaeda-Taleban. Traduz também a ansiedade do governo Barack Obama em reverter o curso de um confronto que vai mal também do lado noroeste da fronteira afegã-paquistanesa. Nos últimos meses, por isso mesmo, Washington adotou o termo Af-Pak para se referir ao cenário da enrascada. O súbito afastamento de McKiernan - o primeiro caso do gênero desde a remoção do general Douglas MacArthur do teatro de operações na Coreia, em 1951 - foi explicado como requisito para a nova estratégia de que vem falando o presidente Obama, sem deixar claro do que se trata. A mesma linguagem vaga foi usada pelo secretário de Defesa, Robert Gates, ao comunicar a troca de McKiernan pelo general Stanley McChrystal, ex-comandante da divisão de Operações Especiais das Forças Armadas dos EUA, que serviu recentemente no Iraque. "Nossa missão", declarou Gates, "requer dos nossos líderes militares uma nova forma de pensar e novas abordagens." Estas consistiriam em combinar o poder de fogo da ofensiva convencional com táticas de contrainsurgência para a eliminação dos principais combatentes inimigos, um esforço renovado para firmar as instituições do país e criar uma cunha entre as populações civis afegãs e as organizações extremistas islâmicas. É inevitável a lembrança da infrutífera luta pelos "corações e mentes" da população vietnamita nos anos 1960 - ainda mais com as matanças de civis nos bombardeios americanos às bases do Taleban. O fato é que o Afeganistão desalojou o Iraque como primeira prioridade do Pentágono. Obama autorizou o envio de 21 mil soldados para reforçar as tropas no sul do país, onde o Taleban vem se consolidando, o que elevará até o fim do ano os contingentes combinados dos EUA e da OTAN a cerca de 100 mil homens. Relutantemente, os governos da aliança atlântica concordaram em mandar mais 5 mil soldados, sobretudo, porém, em missões de segurança e para treinar o exército afegão de 90 mil soldados (que se espera expandir para 130 mil até 2011). Na semana passada, para coordenar politicamente o esforço de guerra na região, ele recebeu na Casa Branca os presidentes Hamid Karzai, do Afeganistão, e Asif Zardari, do Paquistão. Obama considerou o encontro "extraordinariamente produtivo". O governo paquistanês, com efeito, deixou a inércia de lado e desencadeou uma forte ofensiva contra o Taleban no Vale do Swat, cujo resultado mais evidente foi o êxodo de muitas dezenas de milhares de civis da área fronteiriça. Mas o que provocou a ação não foram as exortações de Obama e sim o avanço Taleban rumo ao sul, chegando a 100 quilômetros da capital Islamabad. O Paquistão é um aliado incerto, para dizer o mínimo, embora receba fortunas em ajuda militar dos EUA. São notórias as simpatias pelos fundamentalistas islâmicos de setores do Exército e dos temíveis serviços de segurança desse país detentor de um arsenal nuclear. E a lealdade das populações das zonas conflagradas ao governo tem sido duramente posta à prova pelo indiscriminado "fogo amigo" das forças paquistanesas. Repete-se assim a rotina do Afeganistão, onde o próprio presidente Karzai, que depende da proteção ocidental, mas se cerca de infames senhores da guerra, se viu obrigado a denunciar os Estados Unidos pelo recente ataque aéreo que deixou 140 mortos. Novamente, Washington paga pela herança maldita da era Bush. Tendo prometido "desentocar" Osama bin Laden de seus refúgios nas montanhas de Bora Bora e neutralizar o Taleban, ele como que entregou a guerra à própria sorte e foi cuidar da sua obsessão iraquiana - como se o ditador Saddam Hussein tivesse parte com a Al Qaeda e com o ultraje do 11 de Setembro. Esse erro monumental privou os EUA dos meios de infligir um golpe devastador contra os seus inimigos realmente ameaçadores e criou as condições para os fanáticos talebans refazerem as suas bases entre as tribos afegãs. E, se o Iraque é um atoleiro, o Afeganistão é um pantanal.