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O papelão da Unasul

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Por Redação
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A União das Nações Sul-Americanas (Unasul) está cumprindo fielmente o papel que lhe foi designado por seus criadores: apoiar, de maneira desavergonhada, os regimes autoritários ditos "bolivarianos" no continente. Enquanto o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, sufoca a oposição - encarcerando seus líderes, calando a imprensa independente e violentando a separação de Poderes -, os representantes da Unasul, a pretexto de promover o "diálogo" naquele país, avalizam um governo que desafia, à luz do dia, todos os compromissos democráticos que deveria respeitar para continuar integrando essa comunidade de nações.A encenação da Unasul começou já na chegada da delegação que, oficialmente, fora despachada para a Venezuela para convidar governo e oposição a negociar uma saída para a crise do país. O ex-presidente colombiano Ernesto Samper, porta-voz do grupo - que incluiu o chanceler brasileiro, Mauro Vieira -, tratou logo de mostrar o alinhamento da entidade à tese de Maduro segundo a qual seu governo é vítima de golpistas. "Queremos declarar, de maneira enfática, que todos os Estados da Unasul, sem exceção, rechaçarão qualquer tentativa de desestabilização democrática, de ordem interna ou externa, que se apresente na Venezuela", afirmou Samper.Com esse tipo de discurso, que corrobora as teorias conspiratórias dos chavistas, a começar daquela segundo a qual há um levante em curso e que os conspiradores são financiados e treinados pelos Estados Unidos, os representantes da Unasul rebaixam a oposição à categoria de golpistas. É difícil de imaginar como a Unasul pretende apresentar-se como mediadora do conflito venezuelano, agindo dessa forma.Seria ingênuo esperar, no entanto, que a Unasul pudesse agir de outra maneira. Criada em 2008 e concebida pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para liderar o projeto megalomaníaco de "mexer com o tabuleiro do poder no mundo", conforme suas próprias palavras, a Unasul rapidamente se transformou em ribalta para as diatribes chavistas.O papel designado à Unasul é parte de objetivo mais amplo: esvaziar de vez a Organização dos Estados Americanos (OEA), que ainda é a mais importante entidade multilateral das Américas. A intenção é alijar os Estados Unidos dos foros de debate da região e calar as críticas da OEA em relação às violações de direitos humanos nos países bolivarianos. A culminação desse esforço deverá ser a eleição, no dia 18, do ex-chanceler uruguaio Luis Almagro para a secretaria-geral da OEA. Almagro, até aqui candidato único, já disse que o responsável pela mediação na Venezuela é a Unasul. Logo, parece claro que a OEA, sob nova direção, abrirá mão de qualquer protagonismo na Venezuela, deixando a Unasul à vontade para blindar Maduro.E a Unasul demonstrou que está bem desembaraçada em seu papel. Em nenhum momento a delegação enviada à Venezuela manifestou genuína preocupação com a prisão de opositores e com a evidente destruição das instituições democráticas. Ao contrário, fez publicamente um "chamado à oposição para que exerça, através do legítimo processo democrático, seu direito ao dissenso".A única explicação racional para tal papelão é que a Unasul talvez não queira melindrar Maduro, preferindo oferecer-lhe apoio e compreensão para que ele, finalmente, aceite o diálogo. Mas tal hipótese é cabulosa. O fato é que a Unasul optou por maltratar um dos lados da negociação, arruinando qualquer legitimidade que pudesse ter para assumir a difícil tarefa de mediar a crise. Não foi à toa que os grupos de oposição imediatamente rejeitaram, por viciada, a tal mediação da Unasul.A Unasul não pode tratar como iguais uma ditadura e suas vítimas. O mínimo que a decência demanda é que haja gestões firmes para o regime chavista libertar os presos políticos e suspender a repressão, como acaba de fazer o governo dos EUA - que anunciou a intenção de ampliar as sanções a integrantes do regime acusados de intimidar opositores. Enquanto os dissidentes continuarem encarcerados, não há como negociar nada na Venezuela.