
28 de junho de 2011 | 00h00
Entre 1958 e 1962, quando Mao Zedong promoveu o "grande salto para a frente", o programa de industrialização a toque de caixa que deveria levar a China a superar a Grã-Bretanha em apenas uma década e meia, o resultado, sustentam os historiadores, foi a pior catástrofe produzida pela ação humana em todos os tempos. A destruição da economia agrícola e a brutalidade com que foi conduzido esse insano experimento de engenharia social e reinvenção do sistema produtivo, com as "comunas populares" e suas siderúrgicas de fundo de quintal, mataram de fome ou a bala entre 36 e 45 milhões de chineses, segundo estimativas recentes. Outros países, quem sabe, passariam décadas só tentando se recuperar de um colapso de tamanhas proporções. A China foi muito além disso, com suas taxas de crescimento em torno de 10% ao ano.
Em outubro de 2009, no transcurso do 60.º aniversário da revolução que o instalou no poder, o PCC celebrou a "era da prosperidade harmoniosa". O conceito clássico de harmonia, central ao pensamento chinês há milhares de anos, foi apropriado pela elite dirigente nacional - o partido, os militares e a tecnocracia - para ser a expressão da ideologia que substituiu o maoismo de inspiração marxista-leninista. Sob o lema "Enriquecer é glorioso", do reformador econômico Deng Xiaoping (1904-1997) e a emenda constitucional de 2004 que tornou "inviolável" a propriedade privada no país, o ideal da sociedade sem classes cedeu o lugar, como doutrina do partido, ao da construção de uma economia moderna, com um misto de mercado e regulação estatal. Nela, por definição, os interesses sociais convergem e se harmonizam. E essa harmonia é incompatível com as perturbações inerentes ao modelo ocidental de liberdades públicas, pluripartidarismo e governança democrática.
No modelo chinês - um termo que as autoridades chinesas não gostam, talvez porque exponha a incoerência estrutural do sistema -, a abertura econômica coexiste com graus variáveis de amordaçamento político. À medida que a prosperidade exacerba, por exemplo, as desigualdades entre as novas classes médias da China urbana e as carentes populações rurais, cujas demandas assumem cada vez mais a forma de distúrbios, o PCC aperta as cravelhas, denuncia a dissidência como instigação à desordem e ofensa à harmonia e abre - de fora para dentro - as portas das prisões. Desde a supressão dos protestos estudantis, encarnada no massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, há 22 anos, não se via no país um surto autoritário como o atual. A mera possibilidade de que a chamada Primavera Árabe desse fôlego novo aos movimentos chineses de defesa dos direitos humanos acionou a mão truculenta do regime presidido por Hu Jintao.
É quase unânime entre os observadores a impressão de que a linha-dura continuará a dar as cartas no PCC a partir de outubro de 2012, quando Jintao será substituído pelo atual vice-presidente Xi Jinping, não menos conservador em matéria de repressão aos dissidentes. Os líderes do partido "se sentem ameaçados e estão paranoicos", constata o cientista político Willy Lam, de Hong Kong. A sua reação pavloviana é intensificar o seu poder de coerção sobre as vozes "desarmônicas".
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