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Opinião|O petróleo e as moedas imaginárias

Atualização:

 O traço mais preocupante do governo Dilma não é o de cometer erros em série: é o de querer preservá-los com a paixão que um entomologista dedica à sua coleção de besouros mortos. Confirma esse juízo a declaração do ministro da Educação, feita por vídeo no Facebook, de que meu projeto sobre o pré-sal retiraria recursos da área.

A Petrobrás foi quase arruinada pelas administrações petistas, apesar da competência de seus técnicos, da sua liderança na exploração em águas profundas e da notável riqueza contida no pré-sal. No duelo titânico que infelicitou a empresa, a péssima gestão conseguiu superar as lambanças. As perdas com o controle oportunista de preços e os projetos aloprados das novas refinarias chegam a R$ 140 bilhões. Como eu disse no plenário do Senado: recuperar a Petrobrás é hoje uma tarefa patriótica.

A dívida da companhia é de R$ 340 por barril de petróleo produzido, enquanto a média das grandes petroleiras mundiais é de R$ 60. De 1997 a 2010, sob o regime de concessão introduzido no governo FHC, a produção da Petrobrás cresceu 2,5 vezes, de 800 mil para 2 milhões de barris/dia. Desde 2010, quando foi aprovado o regime de partilha, o aumento foi de pífios 18%, apesar de a companhia ter recebido a maior capitalização da história e ter contraído uma dívida equivalente a 5 vezes a sua geração anual de caixa, índice insustentável pelos padrões internacionais. À atual diretoria não restou senão promover imensos cortes nos investimentos e reduzir em 1/3 a meta de produção para 2020!

É triste que o óleo do pré-sal continue adormecido por mais algumas eras geológicas, enquanto o desemprego e o subemprego avançam em ritmo galopante no Brasil. Em anos recentes, a indústria do petróleo respondia por 13% do PIB! Imagine-se o efeito devastador da crise do setor nos Estados e municípios diretamente ligados à extração do produto.

Por isso tudo, para ajudar a recuperação da Petrobrás, atrair investimentos para o pré-sal e reanimar um foco poderoso de dinamização do conjunto da economia, apresentei um Projeto de Lei (PL), logo no início do meu mandato. Sua configuração é singela: remove a obrigatoriedade – só isso – de a Petrobrás ser a operadora única do pré-sal e bancar no mínimo 30% de todos os investimentos nessa área. São encargos que a empresa não suporta no estado em que foi deixada pelos governos Lula-Dilma.

Mas o fato é que dirigentes petistas mostraram uma vontade primitiva de atacar o projeto, de forma radical. Afirmaram até que o PL alteraria os critérios de conteúdo nacional dos insumos e equipamentos da indústria de petróleo, bem como o modelo de partilha e as regras de distribuição de royalties, do Fundo Social e da parcela destinada à educação! Tudo falso! A maior densidade de mentiras já proferidas por centímetro escrito de um projeto de lei.

Mais ainda: omitiram que o PL não retira da companhia a faculdade de participar, quando e como quiser, da exploração do pré-sal. Livra-a, portanto, de um ônus sem lhe retirar qualquer bônus. Bônus? Claro que sim: permanece inalterado o art. 12 da Lei n.º 12.351, que dá ao chefe do Executivo a prerrogativa de conceder à companhia – sem licitação e por decreto – a exploração integral de qualquer campo, se for do interesse nacional. Se um novo Kuwait for descoberto hoje no pré-sal, a exploração poderá ser concedida amanhã, diretamente à Petrobrás.

O governo escamoteia também o fato de que outra empresa estatal, a Pré-Sal Petróleo S/A, tem presença obrigatória em todos os consórcios. Essa empresa deve, entre outras atribuições, “avaliar, técnica e economicamente, os planos de exploração e monitorar e auditar a execução de projetos de exploração e dos custos e investimentos relacionados aos contratos de partilha de produção”. Alguém acha isso pouco? Lembre então do peso da Agência Nacional do Petróleo, que permanece intacto.

O último espantalho foi brandido – vejam só – pelo ministro da Educação. Se nada sabia sobre o tema, cabia estudá-lo antes de lecionar a respeito. Alegou, sem qualquer fundamento técnico, que o meu projeto “faz com que 75% dos royalties que iam para educação deixem de ir para este tão nobre fim”. É mesmo? Como? O único campo do pré-sal já licitado pelo método da partilha é o de Libra, cujo operador único é a Petrobrás, dentro das regras atuais. Mas como ela não terá nenhuma condição de investir em novos campos nos próximos anos, não teremos aumentos de produção nem, por consequência, de royalties e outras receitas para a área social.

Circula ainda uma versão pretensamente sofisticada desses disparates. Afirma-se que o custo de produção da Petrobrás é sempre mais baixo do que o das outras petroleiras. Por isso, a parcela da educação no Fundo Social seria maior se a exploração ficasse exclusivamente com a nossa estatal, já que a receita do fundo depende do saldo entre valor e custo da produção. Mesmo que essa diferença de custos fosse empiricamente verificável, o que não é o caso, o argumento não faria sentido, pois se baseia numa produção que não existirá, dada a incapacidade atual da Petrobrás de participar de novos leilões. O aumento no ritmo da exploração só pode se dar com mudança na lei, ou seja, se o meu PL for aprovado.

Sabe o leitor que a diretoria da empresa cogita vender 1/4 de sua participação no próprio consórcio de Libra, que será reduzida de 40% para 30%? E que, na mesma direção, diminuiu a estimativa de produção para 2020 em 500 milhões de barris? Isso, sim, vai comprometer as transferências à educação, por reduzir os royalties e o dinheiro do Fundo Social!

Enquanto o governo e seu ministro anseiam por dotar a educação com receitas imaginárias de petróleo, as verbas reais destinadas ao ensino vão sendo cortadas. O que me faz repetir o alerta do economista italiano Vilfredo Pareto ao filósofo Benedetto Croce: “É preciso distinguir uma moeda de ouro de uma moeda imaginária; e se alguém afirmasse que não há diferença, proporia uma simples troca: eu lhe dou moedas imaginárias em troca de moedas de ouro”.

*José Serra é senador (PSDB-SP)

Opinião por José Serra