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O 'Plano da Pátria' chavista

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Por Redação
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No momento em que vive uma das crises mais graves em seus quase 15 anos no poder, o chavismo está perto de consolidar um Estado dual na Venezuela. Enquanto o pouco que resta de normalidade institucional respira por aparelhos, desenvolve-se uma estrutura estatal paralela, totalmente fora dos controles democráticos e detentora do verdadeiro poder. É isso o que move o chamado "Plano da Pátria", apresentado pelo presidente Nicolás Maduro na última quarta-feira, às vésperas das eleições municipais.O "Plano da Pátria" é uma espécie de roteiro para transformar de vez a Venezuela numa Cuba. Escrito pelo falecido caudilho Hugo Chávez ("à mão", segundo enfatizou Maduro), o texto ordena "a consolidação e a expansão do poder popular", por meio, entre outras políticas, do "autogoverno em povoados e territórios específicos conformados como comunas".Trata-se de uma forma de esvaziar o poder dos municípios - justamente no momento em que, graças à crescente impopularidade de Maduro, o chavismo enfrenta dificuldades nesse nível administrativo. É uma estratégia para preservar o poder local mesmo que eventualmente sofra derrotas nas urnas.As "comunas" são organizações sociais vinculadas a uma série de estruturas normativas e gerenciais cujas autoridades são escolhidas pelo presidente e só respondem a ele. A aparência de uma instância de poder verdadeiramente democrática, com suposta participação direta dos cidadãos, é mais uma farsa do chavismo para esconder o caráter autoritário da iniciativa, pois as "comunas" nada mais são do que uma extensão da área de influência direta do presidente, como desejava Chávez, para neutralizar qualquer forma de oposição que eventualmente prospere nos municípios.Tal iniciativa colide frontalmente com a Constituição, aquela que Chávez brandia diante das câmeras de TV quando, a despeito das evidências em contrário, queria provar que estava agindo dentro da lei. Conforme lembrou o professor de direito constitucional Jesús María Casal em entrevista ao jornal El Universal, não existe na Carta Magna o nível "comunal" de poder. Além disso, o poder só pode ser exercido por quem foi eleito nas urnas, mas nas "comunas" há dirigentes que não são escolhidos pelo voto e, sim, por suas relações com o presidente.Casal explica que, por serem unidades administrativas privilegiadas, já que são a essência do projeto da construção do "socialismo do século 21", as "comunas" ganharão cada vez mais força e recursos, esvaziando não apenas o poder municipal, mas o estadual. Assim, o Estado paralelo formado pelo presidente da República em associação com as "comunas", controladas por quem não foi eleito, retira do cidadão comum a capacidade de exercer alguma forma de controle e pressão sobre aqueles que detêm o poder. No caso da Venezuela, diga-se, essa capacidade já está seriamente danificada há tempos, uma vez que a imprensa independente e a oposição organizada estão em frangalhos.Ademais, a Constituição também é violada quando o "Plano da Pátria" estabelece como objetivo a "construção do socialismo do século 21", o que viola o princípio fundamental da democracia que protege o pluralismo ideológico.A despeito das gritantes ilegalidades, o "Plano da Pátria" foi aprovado pela Assembleia Nacional, aos gritos de "viva Chávez!", e foi classificado por Maduro como "Lei da República" - subentendendo-se que se trata, de fato, de uma Constituição paralela.Acossado por gravíssimos apuros econômicos, causados justamente pelos desatinos do "socialismo do século 21", Maduro, o "poste" de Chávez, declarou guerra ao setor produtivo, obteve de um Congresso servil poderes especiais para governar como ditador e agora quer avançar na demolição das já precárias estruturas democráticas da Venezuela.O "Plano da Pátria", que reflete a megalomania de seu autor, diz que um de seus objetivos principais é "preservar a vida no planeta e salvar a espécie humana". A julgar pelo empenho de Maduro, o verdadeiro objetivo é outro: salvar o chavismo.