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O plano para o campo

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Por Redação
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O governo federal apresentou um plano de financiamento de R$ 107,5 bilhões para o setor rural na temporada 2009-2010. Pelo menos quanto ao valor os produtores não têm motivo de queixa. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), presidida pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO), havia pedido R$ 120 bilhões. Mas a previsão de custos foi revista, os insumos deverão custar menos do que se esperava e a soma anunciada oficialmente deve atender às necessidades, segundo a senadora. Além disso, os preços internacionais estão melhorando e as empresas de exportação deverão financiar mais do que no ano anterior, acrescentou. No papel, a maior parte do plano parece bastante satisfatória. O produtor já pode conhecer não só as linhas e condições de financiamento de custeio, comercialização e investimento, mas também os preços mínimos previstos para 33 produtos de grande importância nacional ou regional, como arroz, milho, soja, leite, algodão, mandioca, sisal e cera de carnaúba. O agricultor terá tempo suficiente, portanto, para tomar suas decisões. No caso das lavouras de grãos, fibras e oleaginosas, o plantio só deverá começar no terceiro trimestre. Além do mais, até lá o mercado já refletirá com maior precisão os dados da safra de verão dos Estados Unidos. Entre o papel e a execução do plano de financiamento, no entanto, há um caminho burocrático nem sempre desimpedido. Falta verificar se o dinheiro começará a fluir tão rapidamente quanto o governo prometeu, como advertiu a senadora Kátia Abreu. A preocupação é justificada. Os produtores brasileiros têm uma longa experiência de bons planos de financiamento prejudicados pela demora na execução das medidas pelo sistema bancário, incluído o Banco do Brasil. O total do financiamento será 37% maior que o fixado para a safra 2008-2009. A maior parte, R$ 92,5 bilhões, deverá destinar-se, como de costume, à agricultura comercial. A agricultura familiar deverá receber R$ 15 bilhões. Na apresentação do plano, os técnicos do Ministério da Agricultura apontaram como prioritárias três linhas de ação: apoio ao médio produtor, ao cooperativismo e à agricultura sustentável. O limite de renda para enquadramento na categoria de médio produtor foi elevado de R$ 250 mil para R$ 500 mil anuais. Esse grupo terá acesso aos empréstimos do Programa de Geração de Emprego e Renda. O total previsto para esse tipo de financiamento, R$ 5 bilhões, é 72% maior que o do ano anterior. Outros R$ 5 bilhões estão programados para o apoio ao cooperativismo (72% mais que em 2008-2009). O objetivo é "promover a recuperação ou a reestruturação da estrutura patrimonial das cooperativas de produção agropecuária, agroindustrial, aquícola e pesqueira". Trata-se, portanto, não apenas de apoio a entidades em condições normais de operação, mas de socorro a organizações em dificuldades (por isso aparecem as palavras "recuperação" e "reestruturação"). A iniciativa pode ser correta, mas conviria - no caso de o governo ainda não haver tomado essa providência - vincular o auxílio a programas de ajuste administrativo e a metas de desempenho. Os cooperados, não os dirigentes das cooperativas, devem ser os beneficiários finais da ajuda. Para o Programa de Incentivo à Produção Sustentável do Agronegócio o governo reservou R$ 1,5 bilhão. O programa inclui a recuperação de áreas degradadas, a adoção de medidas voltadas para "o melhor uso do solo", o incentivo ao produtor "para se ajustar à legislação ambiental vigente" e o "apoio à implementação de sistemas orgânicos de produção agropecuária e de integração pecuária-silvicultura". A concepção desse programa é pouco clara. Não tem sentido, por exemplo, atribuir a um programa dessa natureza a função de incentivar o respeito à legislação vigente. Em todo o financiamento ao produtor deve estar pelo menos implícita a condição de cumprimento das leis ambientais, trabalhistas e criminais. Ao descumprimento da lei o poder público deve responder com a repressão. Agir de outra forma é estimular a ilegalidade. Programas de conservação e de recuperação do solo podem ser importantíssimos e é preciso atribuir-lhes uma alta prioridade na política agrícola. O programa não parece atender a esse requisito.