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O poder bichado

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Por Redação
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Do doleiro Alberto Youssef se pode afirmar que o que ele não sabe não vale a pena saber. E se tiver contado aos investigadores da Operação Lava Jato a metade que fosse apenas do que conhece em primeira mão, a Polícia Federal e o Ministério Público têm diante de si um cenário de bandalheiras que reduz a uma poça o "mar de lama" de tempos idos. Como informou ontem este jornal, por exemplo, a certa altura das suas mais de 100 horas de depoimentos em regime de delação premiada, concluídos há uma semana, o operador que desinfetou, por baixo, R$ 10 bilhões em dinheiro contaminado disse que "só sobram dois" no Partido Progressista (PP) sem envolvimento com a extração sistemática de recursos da Petrobrás.Desde as eleições municipais de 2012, quando o pepista Paulo Maluf acolheu de braços abertos o candidato petista Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo - coroando uma operação conduzida pelo companheiro Luiz Inácio Lula da Silva, capaz de tudo para provar que poderia eleger um segundo poste, depois de Dilma Rousseff -, os partidos não se largam. Um ano antes ela entregara ao PP, na pessoa do então deputado federal baiano Mário Negromonte, o Ministério das Cidades. Ele caiu da cadeira em razão de denúncias de contratos irregulares da pasta com ONGs e de superfaturamento de obras para a Copa. Foi substituído pelo também pepista Aguinaldo Ribeiro. O PP tem atualmente 37 deputados e 5 senadores na ativa. A menos que, nas suas contas, Youssef tenha incluído membros do partido sem mandato, a sigla abrigaria 40 parlamentares de mãos manchadas.Pudera! A força-tarefa da Lava Jato tem motivos para acreditar que o assalto aos cofres da Petrobrás começou há pelo menos 15 anos. Mas o saque só foi sistematizado a partir de 2004, graças ao talentoso José Janene, o também mensaleiro de primeira grandeza que viria a falecer em 2010. Ele pôs ordem na lambança, transformando a corrupção no varejo "em esquema de organização partidária", nas palavras de um investigador. O butim foi distribuído entre os dirigentes de siglas acumpliciadas. Modesto, o PP ficava com 1% dos contratos da Diretoria de Abastecimento da petroleira, conduzida por indicação do partido ao então presidente Lula pelo arquicorruptor confesso Paulo Roberto Costa. Somando esse e outros setores, a cota do PMDB também girava em torno de 1%. Mas a parte do PT era três vezes maior.A insuportável realidade é que está tudo bichado nos palcos do poder. Ainda na edição de ontem o Estado noticiou que o Tribunal de Contas da União (TCU) passou a apurar em caráter prioritário suspeitas de outras falcatruas que teriam sido cometidas por empreiteiras fisgadas pela Operação Lava Jato no escândalo da Petrobrás, dessa vez em parcerias firmadas pela Eletrobrás com o setor privado - as chamadas Sociedades de Propósito Específico (SPE), que funcionam como se fossem empresas particulares. Por força desse arranjo, o TCU só consegue fiscalizar os gastos das empresas públicas participantes. Apesar dessa limitação, já em 2011 a Corte de contas advertia para "a má gestão dos recursos públicos aplicados por meio das SPE". Material para um exame acurado não falta. Nos últimos cinco anos, a Eletrobrás investiu R$ 9,7 bilhões em 150 negócios nessa modalidade de parceria.As ramificações da farra na Petrobrás, que por muito tempo continuarão no centro das atenções, são o que delas se poderia esperar. No começo da semana passada, o último foragido da Lava Jato entregou-se à polícia. Trata-se do transportador de dinheiro de Youssef, Adarico Negromonte Filho, irmão do já citado ex-ministro das Cidades. Em um nível muitíssimo mais raso, a fraternidade do mal atingiu outro membro do Gabinete dilmista - o ministro da Agricultura, Neri Geller, do PMDB. Na sexta-feira, dois de seus irmãos, Odair e Milton, foram presos sob a acusação de pertencer a uma quadrilha que grilava terras destinadas à reforma agrária. É o mais recente, decerto não o último, caso da epidemia de indecência no centro do poder e arredores.Para ser "muito melhor" do que tem sido, como prometeu, Dilma precisa não só acertar as contas federais, mas refazer o seu governo em bases morais mais firmes.