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O poder de investigação do MP

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Por Redação
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Por sete votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal decidiu um velho confronto corporativo entre o Ministério Público (MP) e a polícia, permitindo aos promotores e procuradores de Justiça realizar investigações criminais. As entidades de delegados das Polícias Civil e Federal sempre alegaram que, pela Constituição, essa é uma prerrogativa exclusiva da corporação. O julgamento estava suspenso desde 2012, por causa de um pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello. De lá para cá, o Ministério da Justiça propôs às duas corporações uma negociação para redefinir o limite de atuação de cada uma delas, mas não teve sucesso.

Ao devolver o processo ao plenário, Marco Aurélio votou contra o poder de investigação do MP, alegando que a função do órgão é controlar as investigações criminais, e não conduzi-las. “Quem surge como responsável pelo controle não pode exercer a atividade controlada. O desenho constitucional do MP na área penal pauta-se pelo controle externo das atividades da polícia. A má estruturação das polícias não legitima no contexto jurídico as investigações de promotores e procuradores”, disse Marco Aurélio, derrotado no julgamento.

Dos ministros que votaram a favor das pretensões do MP, três – Celso de Mello, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa – foram promotores e procuradores. Eles alegaram que a atividade de investigação do MP – desde que respeitadas as garantias dos investigados e assegurado o acesso da defesa – é essencial para o esclarecimento dos crimes contra o patrimônio público e de delitos praticados por policiais. Também disseram que a investigação deverá estar sob o controle do Judiciário e que promotores e procuradores não podem praticar atos próprios dos juízes, como emitir mandados de busca domiciliar. Já os ministros derrotados alegaram que o MP só pode investigar crimes em situações excepcionais. E afirmaram que, ao tratar da função investigativa do órgão, a Constituição fala em requisitar diligências, e não em promovê-las.

Essa disputa corporativa entre o MP e as Polícias Civil e Federal vinha sendo travada desde a promulgação da Constituição, em 1988. Embora a Carta atribua competências específicas aos promotores e procuradores – como patrocinar com exclusividade ações penais públicas e impetrar ação civil pública, por exemplo –, ela não faz menção às prerrogativas da categoria em matéria criminal. Mas, invocando a tese de que quem pode o mais também pode o menos, promotores e procuradores passaram a alegar que, se têm exclusividade na proposição de ações penais públicas, implicitamente detêm competência para fazer investigações criminais.

Esses argumentos, contudo, jamais foram compartilhados por especialistas em direito constitucional. Segundo eles, se os constituintes não incluíram a investigação criminal no rol de competências específicas do MP, é porque não quiseram dar ao órgão uma força institucional que comprometesse o equilíbrio entre os Poderes. De fato, depois de terem pressionado a Assembleia Constituinte a definir o MP como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”, incumbida “da defesa da ordem jurídica e do regime democrático”, muitos promotores e procuradores passaram a se comportar como se pertencessem a um Poder tão autônomo quanto o Judiciário, o Executivo e o Legislativo. Sentindo-se independentes, vários colocaram as prerrogativas funcionais a serviço de ideologias, partidos e movimentos sociais. E até hoje alguns usam essas prerrogativas para pressionar o Executivo a formular políticas públicas, como se tivessem mandato parlamentar.

Consciente desses desvios funcionais e temendo a reação corporativa dos delegados de polícia, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, procurou amainar os ânimos assim que o Supremo encerrou o julgamento. “Não se trata de estabelecer um jogo de uma instituição contra outra”, disse ele, prometendo que o MP optará por um “trabalho cooperado” com as Polícias Civil e Federal. Resta esperar que seus colegas tenham o bom senso de seguir a linha por ele recomendada.