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O povo contra mais impostos

Poucas pessoas, mesmo bem educadas, devem conhecer a variedade e a forma de incidência dos tributos

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Por Redação
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Cortar gastos é a melhor maneira de pôr em ordem as contas públicas, segundo 88% dos 1.200 entrevistados em pesquisa nacional encomendada à Ipsos pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Somente 2% apontaram a elevação de impostos como a solução mais adequada. A preferência pela contenção da despesa foi indicada pela maioria das pessoas de todos os níveis de instrução e sem grande variação entre as regiões. Se essa amostra for de fato representativa, o governo terá de ser muito cauteloso e muito competente, em termos políticos, ao definir e apresentar as medidas amargas anunciadas, até agora sem especificação, pelo presidente em exercício Michel Temer.

Poucas pessoas, mesmo bem educadas, devem conhecer a variedade e a forma de incidência dos tributos. A amplitude e a complexidade do sistema brasileiro desafiam até os especialistas. Mas o peso de impostos e contribuições é de alguma forma percebido pela maior parte dos cidadãos. A cobrança é evidenciada nas compras do dia a dia, nos demonstrativos de salários e nas contas de água, luz e telefone.

Para essa maioria, um ponto deve estar fora de qualquer dúvida: a tributação pesa muito. Quando se leva a conversa um pouco adiante, surge a constatação inevitável: paga-se muito ao município, ao Estado e à União e recebe-se menos que o razoável em educação, saúde e segurança, para citar só três serviços essenciais.

Esse detalhe, o uso ineficiente do dinheiro pago pelos contribuintes, nem foi citado na pesquisa. É um lugar-comum e dificilmente alguém se mostraria satisfeito com o uso dos impostos e contribuições. De toda forma, o tema central era a forma de cuidar de um desarranjo, o gasto público frequentemente maior que o valor arrecadado. Quando se perguntou aos entrevistados se tinham ouvido falar desse desequilíbrio, 78% deram resposta positiva; 15%, negativa; e 7% deixaram de responder.

Algumas perguntas foram apresentadas com listas de respostas possíveis. Isso poderia justificar alguma suspeita de indução. Não há, no entanto, como menosprezar a concentração de preferência por alguns itens. Medidas para redução de gastos com pessoal foram apontadas por 63% dos consultados: 24% defenderam congelamento de salários, 18% propuseram a diminuição de funcionários em cargos comissionados, 11% sugeriram interrupção de contratações e 10% mencionaram o corte de auxílios e benefícios. Outros 8% recomendaram a contenção de despesas com terceirização de serviços e itens de consumo, como telefone, aluguéis, locação de equipamentos, etc. Quando se pediu a cada entrevistado uma lista de três opções, o resultado geral se manteve, com indicação majoritária de medidas de economia com a folha de pessoal.

Só 3% mencionaram redução do programa Bolsa Família e 2%, o corte do Minha Casa, Minha Vida. Nenhuma resposta apontou a diminuição de subsídios ao crédito agrícola e industrial como saída. Não têm motivos de queixa quanto a este ponto os porta-vozes da indústria e da agricultura. Mas outro item pode justificar alguma preocupação para o governo: só 3% escolheram o aumento da idade mínima para aposentadoria como remédio para o problema das contas públicas. Com ou sem pesquisa, a maioria dos parlamentares deve ter uma boa ideia da resistência à inclusão desse ponto num projeto de reforma da Previdência. O governo deverá, sem surpresa, estar preparado também para essa discussão. Coincidência: anteontem o presidente em exercício Michel Temer disse estar preparado para enfrentar todas as resistências.

Enfim, um excelente motivo político para evitar propostas de elevação temporária de tributos: 84% dos entrevistados disseram desconfiar de qualquer promessa desse tipo. Os brasileiros têm razões mais que suficientes para a descrença. Se a tributação temporária for criada com apoio – e interesse – dos governadores, como seria, provavelmente, o caso do imposto do cheque, a CPMF, só os muito otimistas serão capazes de acreditar.