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O pré-sal e a lei

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Por Redação
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O governo mostra-se decidido a privilegiar a Petrobrás na exploração dos campos de petróleo do pré-sal, segundo revelou a ministra Dilma Rousseff. O problema, como alertam juristas e especialistas na regulação do setor, é fazer isso sem atropelar a Lei do Petróleo e a Constituição. No modelo atual - de concessão -, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) faz licitações anuais das áreas promissoras em petróleo, recebendo ofertas de empresas privadas ou de economia mista, inclusive a Petrobrás. Os vencedores têm direito de explorar as reservas e vender o petróleo encontrado no mercado. Para a área do pré-sal, as regras serão diferentes. Em vez de concessão, o modelo será o de partilha. O governo criará uma estatal que distribuirá áreas sem licitação e venderá o petróleo extraído, remunerando a empresa exploradora. As declarações da ministra-chefe da Casa Civil levam à convicção de que o governo está prestes a conceder à Petrobrás o direito de explorar todos os campos do pré-sal. Enfim, será criado um novo monopólio, que poderá vir a ser "um Frankenstein petrolífero", na expressão do diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires. Ao fazer da Petrobrás a operadora única do pré-sal, o governo conferirá à empresa a responsabilidade pela contratação de equipamentos e serviços, encomendas e contratação de pessoal - ou seja, a gerência dos projetos. Para isso, seria necessário mudar a Lei do Petróleo (9.478/97), que estabelece, no parágrafo 1º do artigo 61, que as atividades econômicas de pesquisa, lavra, refinação, processamento, comércio e transporte "serão desenvolvidas pela Petrobrás em caráter de livre competição com outras empresas". Essa competição é assegurada pelas rodadas da ANP. Supondo que a maioria parlamentar do governo altere a Lei do Petróleo, aponta-se outro obstáculo jurídico: o artigo 173 da Constituição afirma que "as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado" e que "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros". O estabelecimento do monopólio de operação em favor da estatal nada mais seria que a eliminação da concorrência. Que o tema é controvertido, nem o governo duvida, tanto que adia, há um ano, o anúncio do novo modelo. O chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), José Antônio Dias Toffoli, conversou com Dilma e está incumbido de preparar o projeto de mudança. A ideia seria basear o novo regime no artigo 177 da Constituição, que define, no inciso I, como monopólio da União "a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo" e, no parágrafo 1º, que "a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I e II". O ex-diretor da ANP David Zylbersztajn qualifica como inconstitucional a entrega de áreas à Petrobrás sem licitação. "A Constituição exige licitação", diz ele, explicando: "Não há brecha nenhuma." O artigo 177 da Constituição diz apenas que a União pode contratar, acrescenta. "Não vejo como uma lei pode privilegiar uma empresa de capital aberto, majoritariamente privado, em detrimento de outras iguais." A União detém cerca de 40% das ações da Petrobrás. Além do viés estatizante, a proposta de Dilma pôs na defensiva um dos maiores aliados do governo Lula, o governador Sérgio Cabral, que reagiu antecipadamente contra o risco de que o Estado do Rio - mas também outros Estados, como o Espírito Santo e São Paulo - perca receitas com o novo modelo de exploração do pré-sal. As afirmações de Dilma justificam os temores de Cabral. "O pagamento de royalties está previsto na Constituição e não há como mudar estas regras", disse Dilma, emendando a seguir: "Nada vai mudar com relação aos campos existentes e em exploração, mas o pré-sal vai ser diferente." E o que se entende é que a nova empresa estatal a ser criada para administrar a exploração do pré-sal não pagará - como faz hoje a Petrobrás - a chamada participação especial aos Estados e municípios, ficando a União com todos os recursos da exploração do pré-sal.