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O preço do ‘Brexit’

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Por Redação
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A Grã-Bretanha fará nesta quinta-feira uma consulta popular para decidir se fica na União Europeia (UE). Os efeitos desse plebiscito serão sentidos em todo o continente. Uma eventual saída britânica causará um terremoto político e econômico cuja dimensão é difícil de avaliar. Representará um grande triunfo do nacionalismo no continente e colocará em dúvida a capacidade da União Europeia de provar a seus membros mais reticentes que vale a pena continuar lutando pela sua manutenção – e o que não falta, na União Europeia, é reticência.

Diante de perspectivas tão dramáticas, é natural que a campanha do plebiscito, em sua reta final, esteja dominada pela emoção. De um lado, os defensores do “Brexit” – acrônimo em inglês para a saída (exit) da Grã-Bretanha (Britain) – apelam para o sentimento nacionalista para conquistar votos de eleitores revoltados com o que veem como perda de soberania para Bruxelas, a capital administrativa da UE; de outro, os simpatizantes da permanência na UE advertem que haverá graves consequências para a Grã-Bretanha caso o “Brexit” prevaleça.

<CW-13>O avanço do “Brexit” na reta final foi obtido graças em parte a uma intensa crítica a especialistas que se dedicam a fazer prognósticos sombrios a respeito do país depois de uma eventual saída da UE. Economistas e funcionários graduados da área econômica do governo – geralmente as fontes das advertências mais severas – tornaram-se alvo preferencial dessa campanha. “O povo deste país está cansado dos especialistas”, disse Michael Gove – que, embora seja ministro da Justiça e correligionário do primeiro-ministro David Cameron, é um dos principais líderes do sim ao “Brexit”.

O lado dos que defendem a permanência britânica na UE, talvez premido pelo avanço dos oponentes, também passou a apelar a exageros nos últimos dias, lançando mão de previsões alarmistas. Uma delas, baseada em números do Tesouro, diz que a economia britânica será 6% menor em 2030 e que a renda familiar cairá 4.300 libras nesse intervalo. O Tesouro chegou a esse cenário levando em conta possíveis perdas – no comércio, nos investimentos e na produtividade do trabalho – cuja dimensão é hoje muito difícil de mensurar com essa exatidão. Se a ideia com tal estimativa era informar o eleitor sobre os riscos da saída britânica da UE, o resultado pode ter sido o oposto – dando fôlego à campanha do “Brexit”, segundo a qual o governo não tem nada a oferecer, a não ser um “projeto do medo”.

Não se pode negar, contudo, que a eventual retirada da Grã-Bretanha será mesmo desastrosa, em primeiro lugar para os próprios britânicos. A campanha do “Brexit” omite o fato de que a tão desejada autonomia é simplesmente impossível no comércio e na diplomacia. Fora da União Europeia, a Grã-Bretanha teria menos poder para fazer valer suas condições nos acordos internacionais e provavelmente também perderia importância aos olhos dos Estados Unidos, que consideram os britânicos seus parceiros preferenciais na UE.

A perspectiva de uma saída britânica também está deixando muito preocupados os outros integrantes da UE. Tanto é assim que vários países do bloco já sinalizaram que pretendem dificultar a vida dos britânicos caso eles resolvam romper com a UE, o que não deixa de ser uma forma de tentar influenciar o voto no plebiscito. A Grã-Bretanha terá de pagar um alto preço em sua relação com a União Europeia, especialmente nos futuros acordos comerciais, pois só dessa maneira será possível desestimular outras defecções.

Mas quem defende o “Brexit” não está preocupado com nada disso. Como bons nacionalistas, eles acreditam que a Grã-Bretanha deve se livrar dos burocratas de Bruxelas e retomar o destino do país em suas próprias mãos – o que inclui fechar as portas à imigração e recolher-se à insularidade que sua geografia lhe proporciona.

Em meio a seus dilemas nacionais, os eleitores ingleses bem que poderiam se inspirar em um compatriota, o poeta John Donne, que escreveu em 1624: “Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado, todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo”.