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O preço do passado

Pelas estimativas do Judiciário, o pagamento dos precatórios custará pouco mais de R$ 12 bilhões aos cofres públicos, no próprio exercício

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Por Notas e Informações
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Se a reforma da Previdência for aprovada em caráter definitivo até dezembro, como se espera, a economia que ela propiciará aos cofres públicos no exercício de 2020, estimada entre R$ 12 e R$ 14 bilhões, poderá ser anulada quase totalmente pelo pagamento dos precatórios – as dívidas do Poder público que o Judiciário manda pagar. A informação, divulgada pelo secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, durante a entrega do Prêmio Otimiza a prefeituras que mantêm boas práticas em matéria de finanças públicas, dá a medida das dificuldades que a equipe econômica do governo está enfrentando para assegurar um mínimo de equilíbrio entre gastos e receitas no orçamento do próximo ano. Por lei, o projeto do orçamento de 2020 tem de ser enviado ao Congresso até 31 de agosto.

Pelas estimativas do Judiciário, o pagamento dos precatórios custará pouco mais de R$ 12 bilhões aos cofres públicos, no próprio exercício. Como determina a legislação em vigor, todos os anos a cúpula da Justiça tem de mandar para as autoridades orçamentárias do Ministério da Economia a programação da execução dos precatórios já julgados para o próximo exercício. Essa informação costuma ser enviada pelo Judiciário até o final do primeiro semestre. Deste vez, contudo, o montante vultoso surpreendeu o governo, segundo o secretário do Tesouro.

“Esse valor não estava em nosso radar, afirmou Mansueto Almeida, depois de lembrar que “mais da metade do tempo da equipe econômica é gasta para lidar com problemas do passado”. Por isso, o ganho fiscal a ser obtido com a reforma previdenciária não acarretará uma retração nas despesas. Em termos concretos, permitirá somente uma desaceleração nos gastos, explicou.

Basicamente, o montante de R$ 12 bilhões estimado pelo Judiciário será utilizado para pagamentos devidos a usinas de álcool e açúcar, por causa do polêmico programa de política de congelamento de preços imposto no começo da década de 1990 pelo governo do presidente Fernando Collor de Mello. Concebido como uma solução pragmática para um problema de natureza conjuntural, esse programa não deu os resultados esperados. E como os usineiros atingidos recorreram aos tribunais, reivindicando o ressarcimento dos prejuízos sofridos, o que era uma questão conjuntural se converteu num problema estrutural.

Isso porque, quase três décadas depois dessa discussão ter passado por todas as instâncias do Poder Judiciário, a conta do ressarcimento – com juros, encargos e correção monetária – finalmente chegou para o Tesouro Nacional em 2019, afetando o planejamento orçamentário de 2020.

O mesmo aconteceu com os pacotes econômicos baixados às pressas entre a segunda metade da década de 1980, como o Plano Cruzado I, Plano Cruzado II, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor I e Plano Collor II. A exemplo do que aconteceu com o congelamento de preços imposto por Collor, todos esses planos manipularam índices inflacionários. Passaram por cima de atos juridicamente perfeitos. Comprometeram a reciprocidade na distribuição de direitos e obrigações. E intervieram arbitrariamente no livre jogo de mercado, disseminando insegurança jurídica.

Em todos esses casos, quanto mais o tempo foi passando, por causa da morosidade judicial, mais os juros e outros encargos foram se acumulando, multiplicando o valor dos prejuízos a serem ressarcidos. Desse modo, a judicialização de equívocos regulatórios cometidos no passado acaba, nos dias de hoje, dificultando não apenas a formulação de políticas públicas, mas, também, o uso mais racional e eficiente do dinheiro dos contribuintes.

Foi por isso que o ex-ministro Pedro Malan disse, certa vez, uma frase que se torna histórica – “no Brasil, até o passado é incerto”. Também é por isso que o secretário do Tesouro afirmou, em sua palestra, que, apesar do avanço das técnicas de gestão financeira e orçamentária, os gestores públicos muitas vezes são surpreendidos por problemas que não estão no “radar”, como é o caso dos precatórios.