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O princípio da repercussão geral

O que há dez anos surgiu como inovação hoje é mais um problema a ser enfrentado

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Por Redação
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Criadas pela Emenda Constitucional n.° 45, aprovada em dezembro de 2004, algumas inovações na legislação processual civil concebidas para acelerar a tramitação dos processos e reduzir o número de recursos repetitivos estão completando dez anos de vigência. Os novos mecanismos processuais, depois de terem sido regulamentados entre 2005 e 2006, entraram em vigor em 2007 e 2008.

Uma dessas inovações foi o princípio da repercussão geral. Ele foi criado para permitir que o Supremo Tribunal Federal selecione os recursos que irá analisar segundo “critérios de relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. Em outras palavras, há repercussão geral quando a questão atende aos interesses de toda a coletividade. Por isso, uma vez reconhecida a repercussão geral de um determinado caso, o Supremo analisa o mérito e a decisão proveniente dessa análise é válida para todos os casos idênticos que tramitam nas instâncias inferiores do Poder Judiciário. E, enquanto essa decisão não é tomada, a tramitação desses processos é suspensa.

Graças a um sistema informatizado, os ministros encaminham seus votos por via eletrônica, não havendo necessidade de convocar reunião do pleno. Após o relator lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm o prazo de 20 dias para votar e as abstenções são consideradas como favoráveis à declaração de repercussão geral.

Na prática, além de permitir a padronização de procedimentos em todos os órgãos do Poder Judiciário e propiciar a uniformização da jurisprudência em escala nacional, aumentando com isso a segurança do direito, o mecanismo da repercussão geral também atua como uma espécie de filtro processual concebido para descongestionar os tribunais superiores, tornando as sentenças e acórdãos mais previsíveis. Em 2017, o Supremo recebeu 103,5 mil processos e julgou em caráter terminativo 115,3 mil no mesmo período. No entanto, apesar de esses números expressivos virem se repetindo nos últimos anos, a média de temas classificados pelo Supremo como sendo de repercussão geral é de apenas 34 casos por ano.

Considerado muito baixo por magistrados e por processualistas, esse número mostra que, dez anos depois de sua criação, o princípio da repercussão geral ainda está longe de propiciar os resultados esperados por seus idealizadores. E, como há um número expressivo de casos para os quais foi pedida a aplicação desse mecanismo, e o Supremo ainda não os julgou, disso resulta a existência de 1,4 milhão de processos com a tramitação suspensa nas instâncias de origem, aguardando manifestação da Corte. São casos que, com base nos procedimentos anteriores ao advento desse filtro processual, estariam tramitando. Segundo estatísticas divulgadas pelo site Jota, especializado em assuntos jurídicos, para cada caso resolvido por julgamento de mérito de repercussão geral, há pelo menos três processos com tramitação suspensa.

Para muitos magistrados e processualistas, um dos principais fatores responsáveis pelo insucesso do princípio da repercussão geral decorre da tendência de alguns ministros de valorizar teses jurídicas abstratas, enquanto outros dão preferência a questões formais, de caráter processual. No cotidiano da Corte, essas divergências acabam deslocando o foco dos julgamentos e aumentando o risco de decisões contraditórias, dificultando assim a uniformização da jurisprudência do Supremo.

Os próprios ministros da Corte reconhecem que, em vez de contribuir para descongestionar a Justiça e aumentar a certeza jurídica, o mecanismo da repercussão geral provocou o oposto. Isso dá a medida das dificuldades que o Judiciário enfrenta por ser o mais anacrônico dos Três Poderes, no plano burocrático. O que há dez anos surgiu como inovação hoje é mais um problema a ser enfrentado.