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O que mudou em 100 dias

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Por Redação
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O presidente Barack Obama aproveitou o seu 100º dia na Casa Branca, na quarta-feira, para manter sob os holofotes o que mais se dedicou a fazer nos outros 99 - traçar um novo horizonte político para os Estados Unidos e a sua presença no mundo. Dificilmente ele poderia ter assinalado com mais contundência a sua decisão de virar a página da história recente de seu país do que ao dizer com todas as letras, na entrevista à imprensa pela passagem da data, que no governo Bush se praticava "tortura" contra suspeitos de terrorismo. Não está entre as metas de Obama levar a administração anterior à barra dos tribunais, nem estão entre as questões prioritárias para os americanos, com os seus mais de 5 milhões de desempregados, as abomináveis violências cometidas nos últimos anos em nome da sua proteção. Mas tampouco se tem memória de um presidente americano que tenha lançado contra o antecessor uma pecha moral equivalente. "Rejeitamos a falsa escolha entre a nossa segurança e os nossos ideais", afirmou Obama, reiterando um dos bordões de sua campanha. Agora, a eloquência e o seu talento, que não cessam de surpreender, no manejo dos símbolos fazem parte de uma campanha "para mudar a mentalidade do país e promover um novo conjunto de proposições", como escreveu um cientista político. Estes, nas palavras de Obama, seriam "os novos alicerces" dos Estados Unidos e formam o substrato da sua formidável coleção de iniciativas desses 100 dias na frente interna, descontadas as que se destinam a combater diretamente a crise, a começar do programa de US$ 787 bilhões de estímulo à economia. Uma parte daquelas iniciativas está contida no seu plano orçamentário decenal, que pretende dotar os Estados Unidos de um efetivo sistema de saúde - o carro-chefe de suas promessas eleitorais - e estimular uma revolução de qualidade no decadente ensino básico do país. Outra parcela consiste nas propostas inovadoras do governo Obama nas áreas de energia e ambiente, além dos investimentos sem precedentes em ciência e tecnologia. Esses programas, que elevarão a níveis também inéditos a dívida pública americana, devolverão ao Estado um papel comparável ao que desempenhou na era Roosevelt (1933-1945) e no governo Lyndon Johnson (1963-1968). Com isso, Obama se mostra fiel ao que dizia na campanha sobre a atuação da área pública: "O governo não pode resolver todos os nossos problemas, mas pode fazer o que não podemos fazer por nós mesmos." Mais endividamento e mais Estado, porém, não são ideias que o Congresso americano, mesmo sob ampla maioria democrata, está pronto a receber de braços abertos. Eis por que Obama vem concentrando as suas energias e o seu excepcional carisma em engajar os concidadãos para mudar a mentalidade das forças políticas. A primeira metade da empreitada vai de vento em popa: 68% dos americanos aprovam o seu desempenho. (Ele teve 52% dos votos.) Parte da sua popularidade, pode-se dizer, é importada. Reflete o entusiasmo com que ele tem sido recebido mundo afora e a percepção da nova imagem dos Estados Unidos - talvez o único triunfo palpável da política externa de Obama. Não é pouco, quando se consideram, de um lado, a amplitude e a profundidade da rejeição ao país provocada pelo calamitoso supremacismo dos anos Bush; e, de outro, a complexidade dos problemas internacionais que o novo presidente resolveu encarar da perspectiva radicalmente diversa "do poder do nosso exemplo, no lugar do exemplo do nosso poder", como apregoa. Essa premissa o levou a anunciar um desvencilhamento decente do atoleiro iraquiano, a buscar ajuda para a guerra no Afeganistão, a oferecer o diálogo ao Irã e à Síria, a "zerar" as divergências com a Rússia, a abrandar as restrições a Cuba, propondo aos seus dirigentes "um novo começo", e a incluir na agenda diplomática a eliminação gradual das armas nucleares. O paralelismo entre o projeto de ruptura com o passado no campo doméstico e na arena estrangeira, em suma, é evidente. "Essas coisas levam tempo e a ideia é construir os alicerces", disse ele a uma plateia de estudantes, em Istambul, no começo de abril. Seu audacioso programa foi lançado nesses 100 dias. Terá à sua frente, a partir de agora, desafios maiores do que os que já encontrou.