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O raio X dos ônibus

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Por Redação
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A divulgação de alguns dos dados levantados pela auditoria que a empresa Ernst & Young, contratada pela Prefeitura, está fazendo no serviço de transporte de ônibus da capital - o relatório completo será publicado nos próximos dias - basta para indicar que as velhas suspeitas de que existem aí irregularidades ao mesmo tempo sérias e numerosas parecem procedentes. Essas primeiras amostras de uma combinação de ineficiência e graves prejuízos para os usuários e os cofres públicos são uma indicação de que vem mais chumbo grosso por aí.O dado mais impressionante refere-se às saídas diárias de ônibus das empresas e cooperativas concessionárias do serviço programadas e não cumpridas. Ao todo são 10,5%, uma porcentagem que para esse caso é muito alta. Isso acarreta uma redução dos custos fixos dos concessionários de R$ 369,3 milhões ao ano, que representam potenciais ganhos financeiros para eles e perdas para a Prefeitura.E o prejuízo não fica só nisso. Outra consequência desse alto índice de viagens programadas e não realizadas é a superlotação dos ônibus, pois os passageiros que nelas deveriam embarcar têm de se acomodar em veículos que de fato fazem o trajeto. Essa é uma das causas do grande número de passageiros que viajam em pé nos ônibus da capital - em média, 7 por metro quadrado. Tudo isso também colabora para tornar o sistema mais lento.Observe-se que, para garantir a exatidão desses dados, eles foram coletados durante uma semana do ano passado em que não se registraram chuvas e inundações e não houve manifestações de rua, feriados ou outros fatores que alteram o funcionamento normal do serviço.As irregularidades e deficiências não param aí, ou seja, o serviço prestado à população é ainda pior. A auditoria avaliou o cumprimento de 37 itens constantes em contrato e comprovou que 20,9% deles - um em cada cinco - não são respeitados. Um exemplo disso é que praticamente nenhum ônibus tinha microcâmera de monitoramento quando o trabalho foi feito. Outro é que em metade da frota triângulos de segurança, destinados a serem usados em caso de acidente, não estavam colocados em locais facilmente acessíveis aos motoristas. Constatou-se também que, contrariando uma regra dos contratos do setor, 108 ônibus que rodaram entre 2008 e 2013 tinham mais de 10 anos de uso.Não é por acaso que essa situação convive com um sistema falho de fiscalização. A anotação das infrações constatadas ainda é feita de forma manual. O processo de digitalização, de emissão de autos de infração e avaliação dos recursos apresentados pelos prestadores de serviço punidos é lento e pode levar a erros. Não admira que 10% das multas aplicadas no período avaliado pela auditoria tenham sido canceladas. Acrescente-se que multas podem levar até seis meses para serem pagas e que muitas são parceladas e tem-se uma situação que, na prática, favorece a impunidade e perpetua a ineficiência.O investimento em equipamento moderno e em treinamento dos agentes, que há muito garante a qualidade da fiscalização do trânsito na capital, que por sua vez propicia recordes seguidos e já bilionários de arrecadação com multas, não se repete, infelizmente, na fiscalização das concessionárias de ônibus. Estas navegam tranquilas num mar de irregularidades. O retrato sem retoques do serviço de ônibus e das empresas e cooperativas que o asseguram, encomendado pelo prefeito Fernando Haddad à Ernst & Young, promete novas e desagradáveis surpresas. Esse trabalho, assim como o outro sobre a reorganização das linhas - supondo-se que este terá a mesma qualidade e a mesma seriedade -, são essenciais para as tão esperadas, prometidas e sempre frustradas reforma e modernização daquele serviço. Que o prefeito não se iluda - o acerto da contratação da auditoria, cujos resultados começam a aparecer, impõe-lhe uma pesada responsabilidade, que é de corrigir os erros apontados. O destino desse trabalho não poderá ser uma gaveta. Mas passar dele à prática significa enfrentar o poder das empresas de ônibus, diante do qual capitularam seus antecessores.

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