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O risco de um equívoco urbanístico

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Por Jorge Wilheim
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Nenhum governante pretende prejudicar seus concidadãos ao tomar decisões, porém pode cometer equívocos, como os de Prestes Maia ao impermeabilizar os fundos de vale, criando avenidas que deveriam ter sido abertas na encosta, para evitar inundações. De modo análogo, aumentar o número de pistas da Marginal do Tietê, fruto de um exame meramente setorial (trânsito), parece ser uma boa ideia para quem sofre os diários congestionamentos; quatro pistas a mais, mormente se, mediante pagamento de pedágio, reservarmos espaço para a circulação de quem mais pode, deve parecer a estes uma medida atraente. E, de qualquer modo, aumentar superfícies carroçáveis numa cidade cujo sistema viário é insuficiente para os mais de 6 milhões de veículos que por ela circulam constitui, em princípio, uma medida benéfica. No entanto, apesar dos acertos em engenharia viária, creio tratar-se de oneroso equívoco urbanístico. O projeto vai além da execução de novas pistas e devemos avaliar suas consequências. Pretende-se implantar três ou quatro pistas novas, com um total de dez em cada sentido, entre a ponte ferroviária próxima da Anhanguera e o Parque do Piqueri, construir quatro novas pontes para acesso à Marginal e uma sobre o Rio Tamanduateí, estender o tabuleiro das Pontes da Freguesia do Ó, do Limão, da Casa Verde e Jânio Quadros, e criar passagem nova sob a Ponte das Bandeiras. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) analisado pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente não especifica se alguma faixa será pedagiada. Se o for, desconhecemos a solução viária dada para a entrada e saída na pista pedagiada a fim de evitar que, ao seu final, a redução de pistas acarrete congestionamento. Mas há também a previsão de diversas correções de traçado, todas pertinentes e destinadas a um melhor desempenho de trânsito dos 750 mil veículos/dia. Haverá, contudo, uma redução de 19 hectares de área atualmente permeável, com a perda de 116.235 mudas, e sua compensação está sendo assim proposta: metade encaixada ao longo da Marginal (sic) e nos bairros limítrofes; o valor do restante financiará 80% da Estrada da Várzea projetada para a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tietê. Em outros termos: essa região, a de mais alta temperatura no solo, será desprovida do que restava de vegetação e esse fundo de vale não contará mais com sua pequena área permeável contígua. Se, ao focalizarmos o problema do congestionamento da Marginal do Tietê, pensarmos na cidade como um todo, diria que o congestionamento naquela via poderia, principalmente, ser aliviado, além das medidas corretivas ora propostas, mediante: Diminuição da quantidade e introdução de horários para caminhões em trânsito de passagem, cujos origem e destino, no entanto, ainda resta conhecer; projeto e construção urgente do ramo norte do anel viário e suas áreas de apoio logístico; obediência a outras ações estratégicas do Plano Diretor, constantes dos planos de subprefeituras da zona norte, tais como o pequeno túnel e outras intervenções viárias ligando Santana e Tucuruvi à Vila Nova Cachoeirinha e a Pirituba, obras estas que evitariam o que hoje ocorre: todos os veículos que demandam bairros vizinhos são obrigados a descer até a Marginal, percorrê-la e voltar a subir logo adiante. Finalmente, construção das vias de suporte, paralelas à Marginal, mencionadas, porém não incluídas nas obras da proposta em pauta, a saber: a da margem esquerda (sul) mediante a extensão para leste da Avenida Marquês de São Vicente, utilizando vias existentes; e, do lado da margem direita (norte), construindo a via cuja diretriz foi estabelecida pela Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla), hoje Secretaria de Desenvolvimento Urbano, desde a gestão do prefeito Mário Covas, confirmada no Plano Diretor da gestão Marta Suplicy e que também obedecia à diretriz que em 1968 (!) propus à então Coordenadoria-Geral de Planejamento (Cogep), na gestão do prefeito Faria Lima. A via de suporte ao norte da Marginal ocuparia parcialmente uma área pública sob linha de transmissão e sua atual diretriz, segundo estudos realizados ao tempo da gestão Marta, estende-se para leste até o Córrego Cabuçu e poderia vincular-se à proposta da Operação Urbana Vila Maria-Campo de Marte, a uma linha de metrô e, acho eu, à futura entrada do trem de alta velocidade. Trata-se, portanto, de um conjunto de medidas que enxergam a cidade como um todo, incluindo o problema do trânsito, porém sem o isolar. Se quisermos abordar o problema do ponto de vista urbanístico, isto é, da cidade, também deveríamos ser inspirados, no que ainda couber, pelo projeto do Parque Ecológico, elaborado por Burle Marx a pedido do governador Paulo Egydio Martins (1975-79) e que ocupava área bem maior do que a hoje conhecida por esse nome, a saber: da Ilha de Tamboré, em Osasco, até Itaquaquecetuba. E pela generosa, porém hoje de difícil implementação, proposta de parque, de Niemeyer, ao tempo da gestão de Jânio Quadros. Ambos ecoavam o projeto original de Saturnino de Brito (1926), que respeitava a várzea do Tietê como área pertencente a esse rio, a ser urbanizada com cautela. É dentro dessa visão ampla, e respeitando diretrizes já debatidas, que deveriam ser abordados os problemas locais e setoriais, se quisermos diminuir o risco de equívocos. O projeto em licitação considera, num cenário para 2020, que as obras propostas ampliariam os benefícios de trânsito decorrentes da implantação do ramo norte do Rodoanel. Ótimo. Contudo, antes de empreender o vasto rol de investimentos dessas novas pistas, dever-se-ia discutir o seu custo ambiental, a fim de nos convencermos de que não se trata de um bem-intencionado e caro equívoco urbanístico, passível de ser substituído por medidas outras, algumas até mencionadas na proposta, a fim de resolver em definitivo o problema de fluidez de trânsito que se procura atacar. Jorge Wilheim é arquiteto e urbanista