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O roto e o esfarrapado

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Por Redação
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Nenhum lado é inocente na troca de acusações de protecionismo entre os governos americano e brasileiro. Nada justifica, no entanto, o tom do negociador comercial americano, Ron Kirk, ao reclamar da política de elevação de tarifas adotada a partir do ano passado em Brasília. Numa carta inábil, e até truculenta, ele insinuou a possibilidade de retaliações e manifestou-se preocupado com o futuro da cooperação bilateral. "Eu instaria o governo brasileiro a reconsiderar o recurso a novos aumentos de tarifas e a eliminar aqueles já aplicados." A palavra "instar", neste caso, traduz o verbo to urge, usado para recomendações enfáticas, muito mais fortes do que meras sugestões ou solicitações. A carta desastrada tornou inevitável uma resposta enérgica da diplomacia brasileira. A linguagem usada pelo chanceler Antonio Patriota foi a necessária para nivelar a conversa e abrir caminho, se for o caso, para uma troca civilizada de opiniões, de críticas e de cobranças.Maus modos à parte, os dois governos têm razão quanto a alguns pontos. A política brasileira é realmente protecionista, embora o aumento de alíquotas seja compatível com as tarifas consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC) e, portanto, indiscutivelmente legal. O embaixador Ron Kirk acertou, portanto, ao reclamar de protecionismo. Mas errou ao descrever as medidas do governo brasileiro como se fossem cada vez mais dirigidas contra os Estados Unidos (increasingly US-focused). A função defensiva das barreiras é muito mais ampla e é fantasioso descrever como especificamente antiamericana a ação das autoridades brasileiras. Do lado oposto, o chanceler Antonio Patriota foi fiel aos fatos ao apontar ilegalidades na política americana de subsídios à agricultura. Acertou, também, ao indicar os efeitos cambiais da expansão monetária conduzida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e pelas autoridades monetárias de outros países desenvolvidos. A emissão de grandes volumes de dinheiro, nesses países, tende a depreciar o dólar, o euro e o iene e a provocar, como contrapartida, a valorização do real e de outras moedas de emergentes e o encarecimento de seus produtos no mercado internacional. Tudo isso está certo, mas parece um tanto estranho o chanceler ter mencionado a expansão monetária como primeiro argumento de sua carta. O dólar estava de fato depreciado quando o governo começou a implantar o Plano Brasil Maior, no ano passado. Mas as novas medidas de apoio e de proteção à indústria foram adotadas num ambiente cambial muito diverso, com o dólar bem mais caro do que há um ano. A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, haviam quase abandonado, nos últimos meses, a arenga costumeira sobre o tsunami monetário e sobre a guerra cambial. O assunto foi ressuscitado com o anúncio da terceira rodada de afrouxamento monetário nos Estados Unidos. Além do mais, é difícil apontar ilegalidade nas políticas de expansão monetária executadas nos países mais avançados. O governo brasileiro tentou abrir uma discussão sobre o assunto na OMC, mas a iniciativa foi barrada tanto pelos Estados Unidos quanto pela China. A presidente Dilma Rousseff e seus ministros têm bons motivos, no entanto, para se queixar da enxurrada de dólares, euros e ienes, tanto quanto os americanos e outros parceiros têm fundamentos para reclamar das barreiras aumentadas no Brasil. Todos podem, nesses casos, afirmar a legalidade de suas políticas. O mais importante para a maioria dos brasileiros é outra questão. É preciso saber se o protecionismo, elevado, como há décadas, à categoria de instrumento de política industrial, serve de fato ao desenvolvimento. A resposta é claramente negativa. Barreiras adicionais são defensáveis como proteção contra o comércio desleal ou contra surtos danosos de importações. Fora disso, servem apenas para beneficiar alguns setores à custa da maioria dos brasileiros. Seria ridículo ressuscitar o argumento da indústria nascente. A resposta correta está nas medidas para reduzir custos, aumentar a produtividade e elevar a qualidade dos produtos. O resto é populismo e desperdício.