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O sentido da Lei Anticorrupção

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Por Redação
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Recentemente, o País teve notícia de que a construtora Camargo Corrêa realizou dois acordos de leniência envolvendo centenas de milhões de reais. O primeiro foi feito com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no qual a empresa se comprometeu a pagar R$ 104 milhões de multa. O outro foi assinado com os procuradores que atuam no âmbito da Operação Lava Jato e - conforme noticiado pelo jornal Folha de S.Paulo - envolve a devolução de R$ 700 milhões à Petrobrás, Eletronuclear e Eletrobrás, prejudicadas pela empreiteira.

Ainda que sejam acordos de leniência, são eles muito diferentes. O acordo da Camargo Corrêa com o Cade está no âmbito da legislação antitruste, que protege a livre concorrência. Além do pagamento de uma indenização - que, segundo o Cade, é o maior valor previsto até hoje para um acordo desse tipo -, a empresa comprometeu-se a colaborar nas investigações e a encerrar imediatamente a prática de atividades ilícitas; no caso, a formação de cartel. Em contrapartida, suspendeu-se o processo administrativo contra a empresa.

Já o segundo acordo está em outro patamar. Naturalmente, o valor de R$ 700 milhões chama a atenção. Mas o grande ponto não é o seu valor. Trata-se de um acordo de leniência feito sob a égide da Lei Anticorrupção (Lei 12.846) - e aqui reside sua importância. O acordo não se refere apenas à livre concorrência, mas a atos de corrupção contra a administração pública, essa verdadeira praga que permeia tantas instituições brasileiras e que tanto mal causa ao País.

A Lei Anticorrupção foi aprovada pelo Congresso em julho de 2013 e, no mês seguinte, a presidente Dilma Rousseff a sancionou. A aprovação desse projeto de lei, que tramitava no Congresso desde 2010, foi em boa medida consequência das manifestações de junho daquele ano, cujos participantes clamavam, entre outras causas, pela diminuição da impunidade.

A nova lei também veio cumprir compromissos que o País havia assumido no plano internacional, em particular a “Convenção da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais”. Assinada pelo Brasil em 1997 e ratificada em 2000, a convenção previa a adoção pelos países signatários de instrumentos legais para responsabilizar empresas que participassem de ações ilícitas junto à administração pública, nacional ou estrangeira.

Entre as novidades da Lei 12.846, estava a responsabilização objetiva (sem a necessidade de comprovar dolo ou culpa) das empresas por atos lesivos à administração pública, bem como a possibilidade de a empresa corruptora realizar um acordo de leniência com o poder público, que assim obteria informações para facilitar as investigações.

O País parecia ter, enfim, uma legislação adequada para combater a corrupção. No entanto, a nova lei não apenas tardou em ser aplicada, como passou a ser contestada pelo governo, como se fosse severa demais com as empresas, que poderiam ser declaradas inidôneas para participar de licitações, por exemplo.

Dizia-se que, para combater a corrupção, não era necessário punir as empresas. Bastaria processar as pessoas físicas que supostamente teriam praticado os atos de corrupção. Ora, o trunfo da Lei Anticorrupção estava exatamente aí. Ao responsabilizar objetivamente as pessoas jurídicas cujos funcionários praticaram atos de corrupção, a nova lei mudava um antigo paradigma - a corrupção passava a não valer a pena para as empresas.

O acordo agora firmado pela Camargo Corrêa com a força-tarefa da Operação Lava Jato confirma o acerto da Lei Anticorrupção. Não eram fruto da imaginação os argumentos em defesa da lei. Há muito a responsabilização objetiva e o acordo de leniência vinham sendo eficazes no combate à corrupção em outros países. Agora o Brasil começa a aplicar a lei. É só o começo.