Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O sequestro da praça

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Por Redação
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Uma cena de violência na Praça Roosevelt, em que guardas-civis metropolitanos reprimiram skatistas que usavam o local de modo irregular, escancarou uma situação que se torna comum em São Paulo: o espaço público é "privatizado" por grupos com interesses comuns, as chamadas "tribos", em detrimento dos demais cidadãos. Os skatistas que infestam a Praça Roosevelt, constituindo grave ameaça à integridade física dos outros frequentadores, são apenas um dos tantos exemplos dessas "tribos" que, munidas de inabalável certeza, se consideram donas de pedaços da cidade.O caso da praça teve grande repercussão porque um dos skatistas envolvidos na confusão filmou tudo com seu celular e publicou nas redes sociais da internet, a título de denúncia. As imagens começam já no momento em que um guarda-civil à paisana imobiliza um skatista e claramente o ameaça, cercado por outros guardas, estes fardados. Uma guarda-civil chega a jogar gás de pimenta em skatistas que testemunhavam a cena. Embora não se saiba o que aconteceu antes - um guarda disse que foi recebido a pedradas pelos skatistas -, o fato é que os agentes de segurança atuaram de forma desnecessariamente violenta, em especial o que estava à paisana. A Prefeitura afastou todos os envolvidos e informou que irá investigar o caso. Espera-se que haja alguma forma de punição - é preciso tirar os maus policiais das ruas -, mas espera-se igualmente que o poder público imponha a ordem na praça, impedindo que os skatistas a transformem em seu território particular. A julgar pelo que aconteceu até agora, porém, a perspectiva é de vitória daqueles que sequestraram a Roosevelt.A praça, que era um dos tantos locais degradados do centro de São Paulo, passou dois anos fechada para uma reforma, que custou R$ 55 milhões. Foi reaberta em 29 de setembro e, em questão de horas, já estava tomada pelos skatistas, cujas manobras - que dilapidam o patrimônio público e se estendem madrugada adentro - rapidamente se tornaram objeto de reclamações dos vizinhos. A praça não foi feita para a prática do skate e não há nenhuma parte dela em que os skatistas possam se divertir sem que isso represente algum risco para as crianças e os idosos que lá costumam passar algumas horas - um dia antes do incidente, um menino foi atingido na cabeça por um skate e teve de ser hospitalizado. Depois de muitas queixas, a Prefeitura fez, em outubro, uma reunião entre os moradores da região e os skatistas, para tentar chegar a um acordo para disciplinar o uso do skate. Ou seja: a administração municipal, talvez com medo da repercussão negativa de uma eventual repressão aos skatistas, já que essa turma milita ferozmente nas redes sociais, achou um jeito de legitimar a ocupação da praça. Ocioso dizer que o acordo não valeu a saliva gasta na negociação, e tudo voltou a ser como era: de um lado, valentes skatistas voando com suas pranchas; de outro, cidadãos intimidados.Depois da agressão aos skatistas, não tardou para que outras "tribos" se manifestassem em solidariedade. Um grupo de ciclistas, por exemplo, chegou a dizer que o skate é um meio de transporte como qualquer outro! Quem já teve de desviar de um desses desvairados que arriscam a vida entre carros na Paulista ou em outras avenidas pode dimensionar o tamanho dessa irresponsabilidade, transformada em bandeira política em tempos de demonização dos automóveis. Além disso, para esses ciclistas militantes, os skatistas têm todo o direito de praticar seu esporte onde bem entendem, já que são jovens e precisam gastar energia em atividades de lazer. O resto da sociedade que se ajeite.Seja de bicicleta, de skate ou de patins, para que haja convivência razoável numa cidade tão complexa como São Paulo, é necessário entender que ser cidadão não é ter direito ilimitado ao espaço público, cuja utilização está sujeita a regras de civilidade. A condição de "jovem" e a oposição tatibitate aos que andam de carro, uma causa que infelizmente está na moda, não dão a ninguém autoridade moral para ditar essas regras.