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O sindicalismo e o crime

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Por Redação
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O quebra-quebra na invasão, às 2 horas da madrugada de quarta-feira passada, da sede do Sindicato dos Empregados do Comércio do Rio por 202 vândalos que viajaram em seis ônibus e um automóvel de Itaquera, São Paulo, ao centro do Rio de Janeiro, põe a nu métodos criminosos de alguns sindicalistas que disputam o controle de entidades financiadas por dinheiro público. Policiais civis, peritos e inspetores do Instituto Médico Legal (IML) identificaram e autuaram os vândalos, entre os quais 42 (20%) já tinham sido acusados em delegacias paulistas por roubo com arma, desacato, estelionato, tráfico e estupro. A forma como ocorreu a depredação, antes da coleta de votos na eleição da diretoria do sindicato, é uma exibição da exacerbação de uma rotina de fraudes, violência e intervenções em muitos sindicatos. O sindicato invadido está há sete meses sob intervenção da Justiça do Trabalho, motivada por uma denúncia de desvio de R$ 100 milhões. Segundo a Polícia Civil, cada vândalo recebeu R$ 100 para viajar de São Paulo ao Rio com o objetivo de tumultuar a eleição: sua tarefa era destruir as cédulas e urnas trancadas no oitavo andar antes de serem usadas no processo eleitoral. E, assim, segundo José Carlos Nunes, interventor do sindicato e responsável pela investigação do desvio, obstruir seu trabalho. Diante da reação de seguranças particulares armados, o grupo deixou um rastro de destruição em oito dos nove andares do prédio, arrancando câmeras de segurança, destruindo documentos, arrombando portas, danificando oito consultórios (cinco médicos e três odontológicos), computadores e uma máquina de café, entre outros equipamentos. O prejuízo é calculado em R$ 3 milhões. Chamado a atender à ocorrência, o tenente PM Rafael Araújo, da Operação Lapa Presente, presenciou a explosão de uma granada e homens gritando e jogando bombas a esmo. Aí, pediu reforço. “Foi uma arruaça. A maioria estava encapuzada. As pessoas que estavam na região correram assustadas”, descreveu. Os 70 PMs que atenderam a seu chamado apreenderam com os invasores morteiros, granadas de fumaça (armas de uso exclusivo das forças de segurança), socos-ingleses, cassetetes, 18 “sacolés” de cocaína e 15 “trouxinhas” de maconha. No carro “de apoio” foram achados panfletos e bandeiras de uma das três chapas que concorrem à eleição – a primeira em 48 anos, conforme o interventor. Depois de prestar depoimentos à Polícia Civil, os presos foram levados para o complexo penitenciário de Gericinó. Todos, entre os quais três adolescentes, responderão a inquérito pelos delitos de roubo qualificado, dano qualificado, desacato, resistência e organização criminosa. Enquanto a polícia lida com os desordeiros, a Justiça continuará apurando as acusações contra o ex-presidente deposto Otton da Costa Mata Roma e três companheiros de diretoria: eles respondem por corrupção, favorecimento pessoal e nepotismo. O processo eleitoral seguiu seu trâmite normal. Representantes das três chapas concorrentes – ligadas à Central Única dos Trabalhadores (CUT), à Força Sindical e à União Geral dos Trabalhadores (UGT), que dirigia o órgão antes da intervenção e cujo material estava com os invasores – acompanharam o transporte das urnas para 28 pontos de votação. O rastro de crime e violência deixado na invasão só não produzirá ainda mais malefícios à imagem da representação sindical se a Justiça do Trabalho concluir com sucesso a devassa nas contas do sindicato e punir sindicalistas que se locupletaram com o imposto sindical – equivalente a um dia de trabalho de cada trabalhador e posto sob a administração dos órgãos sindicais. A conclusão do processo eleitoral – se for democrático e transparente – ajudará a limpar as nódoas da participação desse tipo de banditismo no sindicalismo. À polícia caberá investigar não apenas a arruaça, mas também os laços óbvios entre a atividade sindical e o crime, punindo os “bate-paus” e tirando do anonimato seus mandantes. Um episódio dessa gravidade não pode dar em nada.